quinta-feira, 28 de agosto de 2008

0533) O Iraque é aqui (3.12.2004)



(Faixa de Gaza ou Zé Pinheiro?)

Toda vez que aparecem na TV aqueles carros-bomba de Bagdá, atentados terroristas aos ônibus israelenses, garotos palestinos apedrejando tanques de Israel, é muito fácil para a gente pensar que tudo isso ocorre do outro lado do mundo, não tem nada a ver com a gente. A gente pega o controle remoto, muda de canal, e vai se preocupar com catástrofes mais suportáveis, como a queda do Flamengo para a Segunda Divisão.

Pois eu tenho um método pessoal para ver guerra na televisão. Não sei se vocês já perceberam o quanto o Oriente Médio parece com o Nordeste. Nem me refiro à semelhança étnica que faz esses árabes todos, a começar pelo falecido Yasser Arafat, parecerem dublês de Geraldo Azevedo e Alceu Valença. O que parece é o jeitão das cidades, ou pelo menos da parte moderna delas, com seus caixotes-de-cimento, seus caminhões velhos, seu calçamento irregular, suas lojinhas de dois andares, seus sobrados com um mercadinho no térreo e um apartamento no andar de cima, toda aquela paisagem que encontramos com poucas modificações em qualquer subúrbio de cidade nordestina (ou nos subúrbios das nossas grandes metrópoles, que estão “assim” de nordestinos).

Eu fico tentando me identificar com os dramas alheios que vejo na TV, e não é difícil perceber o quanto essas cidades parecem com as nossas. Quando penduraram os americanos nas vigas de aço da ponte, em Fallujah, eu não pude deixar de pensar: “Eita, isso foi no Recife: olha só, a Ponte da Boa Vista!” Dias atrás vi um atentado a bomba em Bagdá que me deu um aperto no coração, porque aconteceu numa daquelas ruas do São José que levam ao campo do Treze. Todos aqueles enterros de militantes palestinos, com o caixão coberto pela bandeira, e o pessoal gritando e erguendo fuzis no ar, acontecem em Zé Pinheiro. É impressionante como a Faixa de Gaza ou a Cisjordânia parecem com o Zepa. E houve um atentado a um ônibus israelense, ano passado, que era num lugar igualzinho à Avenida Canal, ali perto do Ipiranga.

Fallujah, Mossul, Tikrit, Nablus, Jerusalém, Tel-Aviv: não precisa muita imaginação para reconhecer como nossa aquela paisagem de sol impiedoso, horizontes empoeirados, rodovias precárias onde se cruzam ônibus, jegues, carroças e veículos militares. Alguns especiais da TV esquecem um pouco a guerra e se detêm sobre as pessoas, seu dia-a-dia, seus medos e suas esperanças. Eles têm rostos morenos de meninos e meninas na nossa zona-da-mata ou do nosso cariri. Falam uma língua incompreensível, mas não precisamos entender o que falam para saber o que estão dizendo. Todas as vezes que um carro-bomba faz essas pessoas em pedaços, fico pensando que isso aconteceu ali no Ponto Cem Réis, na subida do Alto Branco; ou que aconteceu na pista que leva para o Campestre; ou que aconteceu em qualquer um desses lugares comuns e sagrados de Campina, que é sempre meu ponto de referência para checar se uma coisa existe de verdade, se uma coisa é real.


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