sábado, 14 de novembro de 2015

3971) Pena de Morte (14.11.2015)





(ilustraçao Francis Bacon)

Carlos Drummond tem um verso famoso que diz: “Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer.”  Eu troco esse último verbo por “matar”. Matar é o que querem os delicados de hoje, os que se horrorizam com as barbaridades diárias praticadas por pessoas diferentíssimas deles em numerosos sentidos. A barbaridade é tanta (dizem eles) que o único remédio é agarrarmos os bárbaros em plena rua, subjugá-los, arrastá-los, atá-los ao poste e matá-los a pauladas. Depois, filmaremos tudo com celulares para servir de advertência aos outros bárbaros.

Quem são os bárbaros, afinal? Somos todos nós. O bárbaro é o bicho-animal dentro de cada um, com um milhão de anos de luta pela sobrevivência, o bicho que mata, o bicho que come carne, o bicho que rói os ossos, o bicho que bate com um osso grande no tapir e depois joga o osso na direção da Lua. Como diz Caetano Veloso: “A mais triste nação / na época mais pobre / compõe-se de possíveis / grupos de linchadores” (“O cu do mundo”).

Dias atrás William Gibson comentou no Twitter: “Sujeito branco racista pratica matança numa escola. Armado de espada. Resultado: 2 mortes. Mais difícil matar gente com espada. Não é automático.”  Gibson parece estar se referindo ao fato de que com arma de fogo automática basta apertar o gatilho uma vez, e fazer o gesto de varredura em semicírculo. Ou seja: para matar 20 pessoas não é necessário apertar o gatilho 20 vezes. Vi na Internet um bárbaro, filmado na cadeia, rindo com deboche dos crimes que cometeu: “Revólver? Quero não. Eu gosto é de machado, de faca, preu sentir a dor do cara na minha mão”. Diante disso, quem não tem vontade de desistir da humanidade?

Nem todos, é verdade, defendem que esses caras sejam mortos em plena rua. Preferem que sejam mortos entre as paredes de uma prisão, na cadeira elétrica ou câmara de gás. Preferem a morte legalizada, aprovada pelos legisladores, preferem a sanção oficial para algo que já se faz artesanalmente, a pau e pedra, por esse Brasilzão afora. O filósofo popular Neném Prancha poderia dizer: “Pena de morte é um castigo tão sério que o carrasco deveria ser o Presidente da República”.

“As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios / provam apenas que a vida prossegue / e nem todos se libertaram ainda.” A pena de morte, seja através dos linchamentos de rua ou das cadeiras elétricas do governo, é sempre a confissão de uma derrota, o reconhecimento de que somente um criminoso pode nos livrar de outro criminoso.  Cada vez que um ser humano precisa matar alguém para puni-lo por matar alguém está demonstrando que a civilização ainda não começou.




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