Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 14 de novembro de 2015
3971) Pena de Morte (14.11.2015)
(ilustraçao Francis Bacon)
Carlos Drummond tem um verso famoso que diz: “Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer.” Eu troco esse último verbo por “matar”. Matar é o que querem os delicados de hoje, os que se horrorizam com as barbaridades diárias praticadas por pessoas diferentíssimas deles em numerosos sentidos. A barbaridade é tanta (dizem eles) que o único remédio é agarrarmos os bárbaros em plena rua, subjugá-los, arrastá-los, atá-los ao poste e matá-los a pauladas. Depois, filmaremos tudo com celulares para servir de advertência aos outros bárbaros.
Quem são os bárbaros, afinal? Somos todos nós. O bárbaro é o bicho-animal dentro de cada um, com um milhão de anos de luta pela sobrevivência, o bicho que mata, o bicho que come carne, o bicho que rói os ossos, o bicho que bate com um osso grande no tapir e depois joga o osso na direção da Lua. Como diz Caetano Veloso: “A mais triste nação / na época mais pobre / compõe-se de possíveis / grupos de linchadores” (“O cu do mundo”).
Dias atrás William Gibson comentou no Twitter: “Sujeito branco racista pratica matança numa escola. Armado de espada. Resultado: 2 mortes. Mais difícil matar gente com espada. Não é automático.” Gibson parece estar se referindo ao fato de que com arma de fogo automática basta apertar o gatilho uma vez, e fazer o gesto de varredura em semicírculo. Ou seja: para matar 20 pessoas não é necessário apertar o gatilho 20 vezes. Vi na Internet um bárbaro, filmado na cadeia, rindo com deboche dos crimes que cometeu: “Revólver? Quero não. Eu gosto é de machado, de faca, preu sentir a dor do cara na minha mão”. Diante disso, quem não tem vontade de desistir da humanidade?
Nem todos, é verdade, defendem que esses caras sejam mortos em plena rua. Preferem que sejam mortos entre as paredes de uma prisão, na cadeira elétrica ou câmara de gás. Preferem a morte legalizada, aprovada pelos legisladores, preferem a sanção oficial para algo que já se faz artesanalmente, a pau e pedra, por esse Brasilzão afora. O filósofo popular Neném Prancha poderia dizer: “Pena de morte é um castigo tão sério que o carrasco deveria ser o Presidente da República”.
“As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios / provam apenas que a vida prossegue / e nem todos se libertaram ainda.” A pena de morte, seja através dos linchamentos de rua ou das cadeiras elétricas do governo, é sempre a confissão de uma derrota, o reconhecimento de que somente um criminoso pode nos livrar de outro criminoso. Cada vez que um ser humano precisa matar alguém para puni-lo por matar alguém está demonstrando que a civilização ainda não começou.
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