O jazz talvez venha a ser visto um dia como a música que
melhor refletiu o século 20. (Não, não é o rock. O rock só cobriu a segunda
metade do século.)
O jazz é visto como a música do improviso, mas todo ano se gasta, na indústria editorial, um Rio Negro de tinta para descobrir e glosar novas sutilezas suas. Geoff Dyer, num artigo de 1991 (em The Picador Book of Blues and Jazz, 1995) examina uma hipótese de George Steiner, de que toda a crítica de artes e de literatura deixasse de existir. Haveria apenas a justaposição entre artista e público, sem explicadores, sem intermediários. Um “ozônio de comentários”, diz Dyer, sugerindo que a crítica é uma camada protetora cuja ausência fosse talvez perigosa demais para a arte.
O jazz é visto como a música do improviso, mas todo ano se gasta, na indústria editorial, um Rio Negro de tinta para descobrir e glosar novas sutilezas suas. Geoff Dyer, num artigo de 1991 (em The Picador Book of Blues and Jazz, 1995) examina uma hipótese de George Steiner, de que toda a crítica de artes e de literatura deixasse de existir. Haveria apenas a justaposição entre artista e público, sem explicadores, sem intermediários. Um “ozônio de comentários”, diz Dyer, sugerindo que a crítica é uma camada protetora cuja ausência fosse talvez perigosa demais para a arte.
Mas logo adiante ele lembra que para o próprio Steiner a
própria arte é a melhor reflexão sobre a arte. Dyer transpõe as referências
clássicas de Steiner para o jazz, onde, segundo ele, cada performance, cada
fonograma, é ao mesmo tempo criação musical e crítica da música que veio antes.
No jazz, diz Dyer, “se traçássemos linhas ligando todas as canções disponíveis num diagrama assinalando todas as homenagens e tributos, logo o papel se tornaria impenetravelmente preto, e o sentido do diagrama seria eclipsado pela quantidade de informação que precisaríamos registrar”.
No jazz, diz Dyer, “se traçássemos linhas ligando todas as canções disponíveis num diagrama assinalando todas as homenagens e tributos, logo o papel se tornaria impenetravelmente preto, e o sentido do diagrama seria eclipsado pela quantidade de informação que precisaríamos registrar”.
Essa reflexão pode ser aplicada a muitas formas de arte além
da música clássica e do jazz. Ela é especialmente aplicável a duas artes com
que tenho certa familiaridade: a ficção científica e a cantoria de viola. Dois
universos onde todo mundo que cria já leu todo mundo que criou, formando uma
imensa teia de citações, homenagens, paródias, paráfrases, glosas, variantes,
universos-compartilhados, sequelas e prequelas, alusões, influências.
É difícil um autor significativo de FC que em qualquer momento não esteja reciclando e renovando idéias de Wells, de Clarke, etc; idem um cantador de viola que volta e meia não lance mão de temas ou de recursos estruturais vistos pela primeira vez nos versos de Romano do Teixeira, de Pinto do Monteiro, de Vila Nova, etc.
É difícil um autor significativo de FC que em qualquer momento não esteja reciclando e renovando idéias de Wells, de Clarke, etc; idem um cantador de viola que volta e meia não lance mão de temas ou de recursos estruturais vistos pela primeira vez nos versos de Romano do Teixeira, de Pinto do Monteiro, de Vila Nova, etc.
2 comentários:
É isso aí, Braulio. Seja lá o que cada cara crie, interlocutores ninguém pode inventar. Todo criador, mesmo afastado dos demais (por época/geografia/idiossincrasia), mesmo sem intercâmbio nenhum, todos os outros são seus interlocutores. Basta ler/ouvir/ver obra alheia e algum diálogo interior brota, alguma influência insabida se instala, insights e clics surgem. Somos, cada um, um poço de um único e gigantesco manancial, a usufruir e refluir o recebido. Todos jorramos as matérias das quais dependem as artes. Belezura de txt. Abração.
Caríssimo,
O crítico de "arte" como hoje entendemos é um profissional da opinião (citando o Rosa: "pão ou pães é questão de opiniães") e tal opinião é, no máximo, uma referência. Quando não somos músicos (compositores ou intérpretes) a opinião do crítico pode ser um ponto de partida para uma escolha (ainda) pessoal. E para o músico? Talvez seja mais alguém que gostou ou não da sua música e nunca um juízo de valor (falo como músico).
Seria uma tarefa hercúlea fazer música conscientemente com base no que foi feito. Fazer uma música sempre "nova" é tarefa de matemático não de músico. Como toda expressão artística (pois "toda arte é inútil") ela é fruto do zeitgeist servindo-se do inconsciente coletivo musical. Essa abordagem me parece ser mais plausível.
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