Já
falei aqui, de vez em quando, num tipo de sujeitos que em Campina Grande a
gente chama de “pertubados” (assim mesmo, sem um R). O “pertubado” é o sujeito
atormentado por algo que nem ele nem ninguém sabe o que é. Uma infelicidade que
o rói por dentro e o deixa instável, sujeito a ataques súbitos de irritação ou
de fúria inexplicável. É um cara à beira de um ataque, eu não diria de nervos,
mas de violência que ele próprio, no dia seguinte, não vai compreender. Há
alguns retratos de “pertubados” na literatura. Charles Bukowski, Campos de
Carvalho, Rubem Fonseca são os primeiros autores que me ocorrem que já
mostraram personagens assim – problemas ambulantes, frascos de nitroglicerina
prontos a explodir ao menor solavanco.
Um
exemplo recente é o protagonista de O céu dos suicidas de Ricardo Lísias
(Alfaguara, 2012), que tem o mesmo nome do autor. É um desses romances que
correm o perigo de serem abandonados logo no começo da leitura, porque as
primeiras 40 páginas são de uma tremenda monotonia. O cara é colecionador de
selos, de tampinhas de garrafa, de outras coisas; é meio introvertido e
macambúzio, e fala o tempo inteiro em coisas irrelevantes, repisando
insistentemente detalhas sobre suas coleções... Todo colecionador faz isso; sou
meio colecionador também, e conheço a compulsão de comentar, com estranhos,
coisas que não lhes interessa nem um pouco. O livro vai se arrastando... até
que Ricardo tem a primeira explosão.
Só
nesse momento percebemos o que acontecia por trás daquela dureza, daquela falta
de jogo de cintura. Revela-se que Ricardo é um transtornado, ovelha negra da
família, criador de problemas, desencadeador de crises. Um dos motivos disso é
o fato de ter expulsado do apartamento seu melhor amigo, André, que se enforcou
dias depois. Ricardo acha que a culpa é dele, e uma dúvida o corrói: os
suicidas vão para o céu?
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