segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
1628) Gil e a nova música (31.5.2008)
Gilberto Gil vem dando entrevistas sobre seu novo CD, Banda Larga Cordel. Há alguns anos o ministro Gil vinha prejudicando o compositor, impedindo-o de trabalhar direito, em mais um flagrante desrespeito das autoridades brasileiras contra a livre expressão dos nossos artistas. Parece que, pelo menos neste momento, o dilema jekylliano de Gil está sendo resolvido. O disco novo traz algumas belas canções, e entre as marolas que vem gerando estão as entrevistas do baiano, sempre loquaz e percuciente.
Gil observa com propriedade que a música digital está fazendo desmoronar o conceito de álbum como obra íntegra e fechada. Discos como o Sgt. Pepper dos Beatles ficam cada vez mais difíceis de produzir. Foram os Beatles que, no universo da música pop, transformaram o álbum num veículo autônomo. Antes deles, tudo era fragmentado. Os artistas lançavam compactos simples (2 músicas) ou duplos (2 de cada lado). Esses discos iam vendendo, e quando o artista tinha um número razoável deles juntava todas aquelas canções num LP, ou álbum, de doze faixas. A obra era a canção, e o álbum uma simples coletânea. As canções de maior peso iam para o lado A do compacto, e para o lado B ia uma canção menor, porque se o cara tivesse outra canção de peso iria guardá-la para lançar noutro compacto no mês seguinte.
Com Sgt. Pepper (1967) os Beatles aperfeiçoaram algo que já tinham esboçado em Rubber Soul (1965) e Revolver (1966): um disco em que as faixas dialogavam entre si e adquiriam um sentido maior quando escutadas em conjunto. Sgt. Pepper era uma longa e complexa suite. Ainda não tinham morrido os últimos acordes de uma canção, e os primeiros sons da próxima já se faziam ouvir. Os temas eram interligados, a faixa título era repetida com alterações na letra e na estrutura, preparando o caminho para o encerramento triunfal com A day in the life. Um trabalho com essa amplitude e complexidade seria impensável cinco anos antes, quando predominava a fragmentação de um mercado que raciocinava apenas em termos de canções isoladas.
Pois é essa fragmentação que está voltando aos poucos. Ninguém precisa mais procurar “o disco que tem aquela música”, procura logo a música – e baixa, ou compra, ou copia, e faz o que quer. Diz Gil: “Eu já abri mão da seqüência de faixas, do encadeamento. Era impossível para mim, com todas essas referências de fragmentação, de criação coletiva." Esta é uma consequëncia importante da cultura digital. Falamos o tempo todo nas consequências financeiras, mas é crucial discutir o novo perfil estético que a música está adquirindo. A canção isolada está se tornando de novo o foco. O álbum perde coesão, volta a ser coleção de faixas, e vai ser preciso um gesto criativo tão radical quanto o dos Beatles para que público e imprensa voltem a considerar que uma certa dúzia de canções tem que ser ouvida em conjunto, porque assim têm a mesma densidade e unidade estética que uma canção isolada.
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