sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

1411) O carro na piscina (21.9.2007)



Vi um comercial ótimo na TV. Nem me lembro qual era o produto anunciado, mas a história era mais ou menos assim. 

O pai chega para o filho e diz: “Me devolva a chave do carro. Vou sair”. O rapaz: “O carro está com problema”. O pai: “Problema? Que problema?” O filho: “Entrou água no carburador”. O pai retruca: “Tá maluco, rapaz. Água no carburador! Essa é boa. Como é que você sabe?” O filho: “Porque o carro caiu dentro da piscina”. O pai se desespera, e sai correndo para a porta da frente, e o filho completa: “Na piscina do vizinho!” 

Parece um pouco com aquela história do cara que está viajando, liga para casa para pedir notícias, pergunta como vai o jardim, aí a empregada diz: “Os bombeiros pisaram ele todo...” “Que bombeiros?” “Os que vieram apagar o incêndio.” “Que incêndio?” “O incêndio que destruiu a casa.” “E como começou?” “Quando uma das velas do caixão caiu em cima da cortina.” “Que caixão?” “O de sua mãe...” 

E por aí vai, uma catástrofe emendada na outra, e todas reveladas em doses homeopáticas. 

Uma coisa recente (o comercial) é adaptada de outra coisa mais antiga (a anedota), embora as histórias que contam sejam completamente diversas. O que é adaptado – e nisto consiste A Grande Arte – é a mecânica narrativa, a utilização de uma técnica visando um efeito. O efeito é um suspense cômico. A técnica é a revelação gradual de uma situação a partir de um detalhe, cujo esclarecimento conduz à revelação de detalhes mais comprometedores, até chegar numa situação catastrófica. (Há maneiras mais simples de dizer isto, mas estou improvisando, vai esta mesmo.) 

Esta mesma mecânica está por trás de muitas narrativas de mistério e suspense, os chamados “thrillers”. Um belo dia, um sujeito comum se vê diante de uma situação inusitada. Ao tentar lidar com ela, surge um problema. Para solucioná-lo, ele se envolve noutra situação, que o conduz a um problema ainda mais grave, e assim por diante. Ele não tem idéia do que está lhe acontecendo, mas em geral resulta que ele interferiu sem querer nas atividades de um grupo de traficantes, espiões, agentes secretos, etc. 

Muitos filmes de Hitchcock seguem essa mecânica do desvelamento gradual de uma situação complexa através da ação de um personagem que é nosso “guia” no filme: vemos tudo através dele, suas perplexidades são as nossas, e as descobertas que faz revelam também para nós a história que está acontecendo. 

Episódios de uma história são como palavras: de nada valem se não estiverem na ordem certa. Contar uma história nos obriga muitas vezes a fazer um movimento como o de uma câmara que mostra uma pintura a partir de um detalhe e daí vai se afastando, revelando uma extensão do quadro cada vez maior, e mantendo em vista o detalhe inicial. Não se deve, e na verdade nunca se pode, dizer tudo de uma vez só. Tem que dizer aos poucos, e para isto a sucessão certa de detalhes é fundamental.




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