sábado, 14 de novembro de 2009

1367) A pirâmide olímpica (1.8.2007)



O esporte olímpico consagrou a imagem do pódio para os três melhores colocados: ouro, prata e bronze. Em torno dessa comemoração, existem duas atitudes diferentes. Uma é a dos atletas que repetem sem cessar, como cansamos de ver nesse Pan do Rio: “Estou muito feliz com este bronze...”, “Esta prata para mim vale ouro...”, e assim por diante. A outra é a dos torcedores que torcem o nariz para as medalhas de prata e achincalham os ganhadores do bronze: “Essa aí não vale nem uma tampa de garrafa”.

Por um lado eu compreendo. A prata é aquele prêmio que se conquista com uma derrota. Quem ganha a prata, teoricamente, era o sujeito que estava tentando ganhar o ouro, foi para a final, teve chance – e não conseguiu. É compreensível, até certo ponto, que o torcedor o veja como um derrotado. E que alguns medalhistas de prata tenham no pódio aquela expressão meio vaga, meio taciturna, de quem só está ali porque o regulamento obriga, mas se pudesse já tinha trocado de roupa e voltado direto pro hotel, para trancar a porta do quarto e apagar a luz. Quanto ao bronze, é o prêmio dos que “bateram na trave”, não conseguiram nem sequer ir à final.

O pódio com seus dois degraus é apenas o topo minúsculo de uma pirâmide gigantesca. Abaixo daquele segundo degrau, onde estão a prata e o bronze, está outro com quatro lugares, e depois um com oito, outro com dezesseis, outro com trinta e dois, e assim por diante, em progressão geométrica. Essa pirâmide é formada pelos atletas que disputaram as competições classificatórias e eliminatórias que um medalhista atravessa ao longo de anos e anos para poder alcançar os índices que lhe permitiram ir ao Pan, à Olimpíada ou ao Mundial da sua categoria. Se pudéssemos reunir em carne e osso todos os atletas que participaram dessas disputas, teríamos uma pirâmide-de-degraus da altura da Pirâmide de Quéops, e talvez precisássemos de um binóculo para ver lá no topo, miudinhos, os três medalhistas.

Como todo subdesenvolvido, como todo mundo que tem pouco, o torcedor brasileiro é Desejo puro. No futebol, ganhar uma Copa do Mundo já não nos basta: é preciso ganhar de goleada, e ridicularizando o adversário, dando olé, dando toquezinho. Quando simplesmente ganhamos mas não damos baile, como em 1994, os exigentes fazem cara feia. Essa mesma mentalidade, de quem tem tão pouco que só se contenta com tudo, é a que nos faz esnobar as pratas e os bronzes conseguidos por nossos atletas.

O atleta que ganha um bronze pode considerar que naquele momento, naquela modalidade, só existem dois caras melhores do que ele, e existem centenas ou milhares que ele deixou para trás, direta e indiretamente. Ser o terceiro num grupo de mil não é brincadeira. E não é uma derrota, mesmo que o derradeiro jogo tenha sido perdido. As medalhas são atribuídas em função do resultado da última disputa, mas quem sobe ao pódio está no ponto final de uma escalada cujo percurso se perde de vista.

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