O Pan do Rio de Janeiro tem suscitado um interessante problema filosófico: devemos ou não vaiar os atletas estrangeiros, quando disputam um título com os brasileiros? A resposta é clara, evidente e óbvia. O problema é que essa resposta evidente, para metade dos torcedores, é “sim”, e para a outra metade é “não”. Pois é, amigos – até mesmo o óbvio ululante costuma ulular em desacordo.
Para o brasileiro, acostumado à paixão do futebol, vaiar o adversário é não apenas um direito garantido pela Constituição, é uma obrigação moral. Se não vaiamos o adversário ficamos com aquela sensação incômoda de estar abrindo as pernas, dando mole, entregando o ouro aos bandidos. Perder, tudo bem, todo mundo que disputa perde; mas perder sem vaiar, sem ofender, sem xingar a mãe? Ah, isso não.
Oscar, nosso craque do basquete, foi assistir a ginástica artística e ficou vaiando em altos brados as ginastas estrangeiras. As brasileiras ficaram horrorizadas; “Não se deve fazer isso! Quando nos apresentamos lá fora, em qualquer país, eles nos aplaudem! A gente está competindo, mas não tem que atrapalhar as outras!” Oscar discorda: “Tem que atrapalhar, sim, tem que vaiar, passar uma energia negativa, pra ver se elas erram e o Brasil fica com o ouro”. Depois, na TV, desculpou-se pelo arrebatamento.
O problema é que o esporte olímpico, representado no Pan, tem uma imensa variedade de situações. Existem esportes em que a concentração é fundamental, e a torcida obedece a uma ética implícita de respeito ao adversário. Antigamente, um torneio internacional de tênis parecia uma cantoria de viola: silêncio absoluto durante a jogada (ou o verso) e, após a conclusão, aplausos demorados, seguidos por novo silêncio no início do verso (ou da jogada) seguinte. Essa formalidade está sendo quebrada. Qualquer dia desse vai ter a bateria da Mocidade Independente servindo de charanga para um tenista brasileiro em Wimbledon.
Esportes de massa, tradicionalmente, pedem torcidas ruidosas e inflamadas. Mas há esportes praticados em ambientes mais restritos onde a tradição é observar, e no final aplaudir educadamente. Tênis, ginástica e hipismo são exemplos. Há esportes onde é necessária uma concentração muito intensa no momento de executar um saque, dar um salto, transpor um obstáculo. Algo difícil de fazer quando existe uma torcida vaiando, batendo bombo, chamando palavrão. É chato saber que quando nossos atletas se apresentam mundo afora têm silêncio quando precisam de silêncio, e têm aplauso quando ganham e quando perdem. No tênis, por exemplo, vejo isso a torto e a direito. O Brasil, infelizmente, parece arrebatado por essa mentalidade de quem vai com muita sede ao pote, aquele desespero de quem nunca ganhou nada e que se depara com a possibilidade de vitória. Uma torcida com aquele olho escanzinado de cachorro faminto enxergando um filé ao alcance dos dentes. Pense numa coisa que pega mal!
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