segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

0688) Uma pintura de graça (2.6.2005)


(O quadro de Steve Keene)

Tem coisas que a Internet não cria, mas encoraja, pelo seu poder de minimizar as relações Espaço e Tempo. Uma bobagenzinha torna-se um fato social relevante: é tudo rápido, não se arrasta por semanas e meses. Tem um cara chamado Steve Lodefink que está oferecendo em seu saite (http://www.finkbuilt.com/blog/?p=30) um quadro do pintor Steve Keene, de graça, a quem der a melhor justificativa para ficar com ele. Basta isto: “Eu acho que mereço ganhar esse quadro de graça porque...” – e aí cada um dá a melhor razão que lhe vier à cabeça. Lodefink ainda se oferece para remeter o quadro de graça pelo correio – infelizmente, só dentro dos EUA, embora ele garanta a concorrentes estrangeiros um abatimento de 10 dólares no frete.

O quadro não é de se jogar fora, e o dono o conseguiu por apenas três dólares. Pelo que vi no saite, Steve Keene é um desses artistas cuja proposta é pintar uma quantidade absurdamente grande de quadros, cada um levando apenas poucos minutos. Uma espécie de repentista da pintura a óleo. Isso lhe possibilita botar muitos quadros em circulação. Barateia o preço. E dá origem a concursos como este.

Tem gente que manda qualquer tipo de motivo. “Eu pedi primeiro”, diz o primeiro cara que escreveu. Outro diz: “Meus pais me espancavam, eu tive que fugir de casa, e colei uma pele de animal sobre minha pele para poder trabalhar num circo”. Outros descrevem a horrível (e certamente fictícia) decoração atual de seus apartamentos. Outro diz que vai vender o quadro e gastar o dinheiro com garotas de programa. Outro diz que a pintura lhe lembra a bela silhueta industrial de Detroit, onde passou a infância.

Enfim: são até agora, quando escrevo estas linhas, 229 respostas, e não me interessa quem vai ganhar. O interessante é que a instantaneidade proporcionada pela Internet faz surgir, como que do nada, uma pequena comunidade de troca de informações, confissões, piadas, provocações, etc., tudo em função de uma oferta casual de um objeto cuja existência era totalmente desconhecida para todas estas pessoas até instantes atrás.

O quadro de Steve Keene é um “wampeter”, um objeto, segundo Kurt Vonnegut, em volta do qual forma-se uma comunidade de corações e mentes que se relacionam através dele e em função dele. A Internet proporciona velocidade e visibilidade de comunicação, e isto passa à frente de critérios como “importância” “significado”, “valor”, etc. Tudo isto vem depois, gerado pela própria mecânica da troca de informações. A Internet é uma usina permanente de wampeters, de banalidades que num piscar de olhos se transformam num objeto relevante. É este o espírito dos blogs, dos fotologs, das homepages pessoais, dos saites, das comunidades Orkut tipo “Eu adoro sorvete de graviola” ou “Eu vi o jacaré do Açude Velho”. O lado bom disto é que nunca foi tão fácil tornar visível algo que você, caro leitor, ache realmente importante. Acha que tudo que tem aí é bobagem? Então vá à luta.

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