A primeira vez em que vi a palavra norte-americana “rap” ser usada para descrever uma canção da MPB foi quando Caetano Veloso lançou “Língua”: “Gosto de sentir minha língua roçar na língua de Luís de Camões...”
Foi uma música de alto impacto, não só por ser (sob qualquer ótica) uma canção poderosamente poética, mas porque a imprensa nacional pôde registrar com alacridade o desembarque triunfal de mais um modismo americano em solo pátrio.
Todas as vezes que um brasileiro consegue fazer com um mínimo de competência alguma coisa que os americanos criaram e lançaram, vemos nisto um sinal de maturidade estética e independência cultural. Paciência; há coisas piores.
Coisa pior, por exemplo, é quando os americanos começam a fazer algo que já fazíamos há séculos, e nós por aqui ficamos de queixo caído com a inventividade deles. É o caso do “rap”, sigla que já diz tudo: “Rhythm And Poetry”. Este estilo de cantar consta basicamente em criar uma base rítmica qualquer e fazer fluir por cima dela um discurso verbal que segue a sua cadência, mas com flexibilidade bastante para adiantar, retardar, fazer saltos e síncopes, parar aqui e pular para encaixar mais adiante.
É uma demonstração de habilidade musical e verbal, porque mesmo que o teor harmônico e melódico seja deste tamanhinho (geralmente é), é a “levada” produzida pelos instrumentos (ou bases eletrônicas, ou palmas-e-estalos-de-dedos) que impõe a moldura rítmica onde as frases têm que se encaixar.
Nossos emboladores de coco fazem isto há pelo menos um século, com os pandeiros ou os ganzás fornecendo a base rítmica, e a Poesia Barroca Ibérica fornecendo os modelos básicos (quadra, décima, verso setissílabo) em cima dos quais eles criam variações.
Tanto o Coco quanto o Rap podem servir para cantar versos decorados ou para improvisar versos na hora. A principal distinção a se fazer entre os dois é que existe mais música, mais melodia do Coco do que no Rap, assim como existe no Coco mais rigor métrico, pois o Rap em muitos momentos vira uma mera prosa ritmada, sem a presença de “cortes” regulares que correspondam às linhas de uma estrofe.
Generalizações assim são perigosas, porque cada artista traz um pequeno desvio em relação a qualquer regra que um teórica venha a identificar. A própria canção de Caetano citada acima tem um formato muito mais criativo, ritmicamente mais solto, do que a maioria dos Raps brasileiros, que em geral se limitam a um “patatí-tatí-tatá”.
Há muitas canções com momentos de “Ritmo e Poesia” na MPB, no sentido de que contêm trechos puramente falados mas que não se afastam da base rítmica. Entre elas, “Ouro de Tolo”, de Raul Seixas; “Nem vem que não tem” com Wilson Simonal; “Avohai” de Zé Ramalho, “O Calhambeque”, com Roberto Carlos; “Deixa isso pra lá” e “Zig-Zag” com Jair Rodrigues; “Sá Marica Parteira” e a longa introdução de “Respeita Januário” com Luiz Gonzaga.
Um comentário:
A muito vejo comentadores e escrivinhadores brancos formais acadêmicos literários falando merda....mas nunca disse que escrevinhadores brancos formais só falam merda...nunca generalizei, pq com certeza só vi oq a grande mídia me mostrou...o corte de 5%....por isso lhe recomendo: gaste um dia, um mês, um ano no rap....depois fale patati patatá a vontade...
asè
P.s.: vc é uma das minhas recentes e melhores descobertas da literatura branca formal acadêmica endêmica classista...
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