Diz uma antiga lenda oriental que na época da dinastia T’sin, havia um rei despótico que gastava de modo perdulário, prendia e torturava os críticos do seu regime, e roubava o Tesouro público. O rei subira ao trono cercado de expectativas, pois fora um príncipe inteligente, amado pelo povo. Depois que passou a governar de modo desastroso, um grupo de nobres reuniu-se, conspirou, e juntou exércitos para enfrentar o tirano. Houve uma guerra sangrenta. O tirano foi morto, e os nobres elegeram, para substituí-lo, o nobre Li H’sien. Este era um homem íntegro, mas, assim que subiu ao trono, começou a se comportar de modo muito parecido com o antecessor. Perseguiu os antigos aliados, construiu palácios para seus parentes, cercou-se de bajuladores, e botava na cadeia quem falava mal dele.
Os nobres agüentaram isso durante alguns anos, aí juntaram-se novamente, desencadearam outra revolução, executaram Li H’sien e colocaram no trono o general Hsui-Pen, um homem valoroso, simples, de julgamentos serenos e caráter firme. Poucos anos depois, o general tinha transformado a corte num verdadeiro bordel com orgias intermináveis, além de promover a execução de dissidentes, e a invasão militar das províncias vizinhas. Os nobres, já desesperados, sem saber o que fazer, foram queixar-se ao Budista Tibetano. O Budista Tibetano deu uma baforada do seu narguilê, pensou, pensou, aí disse: “Olha, eu, se fosse vocês, tocava fogo era naquele trono. Todo mundo que se senta lá fica assim.”
Gostou da lenda oriental, caro leitor? Se gostou, obrigado, porque acabei de inventá-la. Não, não me elogie. A imaginação e a criatividade pouco contribuíram para a sua execução. O que mais me valeu foi a memória, o hábito de ler jornais, e algumas décadas de vida debruçado na janela por onde o mundo vive passando e só Carolina não vê. Para os que se debruçam nessa janela, o mundo traz surpresas cíclicas. Se são cíclicas, talvez não devessem ser surpresas, porque a repetição nos deixa prevenidos. Mas é que o mundo não se repete em círculos, como supunha Nietzsche, mas em espirais: cada vez que uma coisa acontece, acontece num ponto diferente da vez anterior.
O filme Viva Zapata, de Elia Kazan, mostra Marlon Brando no papel de um camponês mexicano que se revolta. Um dia eles vão protestar algo junto ao tirano local e este, enraivecendo-se , pergunta: “Você! Como é seu nome?!” Ele responde, intimidado: “Zapata. Emiliano Zapata.” Os anos se passam, Zapata entra na luta armada revolucionária, vira líder e herói, mas descobre que é mais fácil deflagrar Revoluções do que mantê-las. Depois que vira presidente do México, um dia uns camponeses vão ao palácio reclamar de alguma coisa. Ele se irrita com um dos queixosos, e diz: “Você! Como é o seu nome?!” Aí na mesma hora o episódio antigo lhe vem à memória, e ele se cala, confuso, percebendo a inversão dos papéis. Pois é. O problema é o trono, presidente.
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