Alguns pontos em comum entre o que chamamos de Tradição Oral (no universo do “folclore”, “cultura popular”, etc.) e o que chamamos de Cultura Virtual (a cultura do mundo digital, da Internet, etc.).
Primeira coisa: o Anonimato Coletivista. Ambas as culturas existem dentro de um “corpus” coletivo, um universo criado em conjunto por milhares ou milhões de pessoas que não se conhecem, e que não precisam se conhecer. O individualismo da produção cultural urbana, industrial, moderna, não vigora nem no universo das culturas tradicionais nem no recente universo da cultura virtual. Isto tem aspectos negativos, como a freqüência com que obras criadas por um indivíduo são apropriadas e assinadas por outro, ou então falsamente atribuídas a um terceiro. Antigamente, não era rentável pegar um livro publicado por alguém e republicá-lo com o nome do usurpador. Hoje, com meia dúzia de cliques isto é possível, a custo zero. O livro não é fisicamente impresso, mas pode circular na Rede com a falsa atribuição de autoria.
Por outro lado, a simples existência de uma cultura coletiva anônima tem um enorme valor sociológico, mesmo que não tenha valor estético. É possível saber com mais riqueza e mais nitidez o que uma comunidade de pessoas pensa. E a perda de importância da autoria individual tem, como contrapartida positiva no aspecto psicológico, a criação de novos conceitos de generosidade, desprendimento, compartilhamento fraterno.
Segunda coisa: a Tradição antiga se valia acima de tudo da autoridade paterna, da credibilidade dos antepassados. Os participantes dessa cultura se sentiam imbuídos da missão de preservar algo que lhes tinha sido transmitido pelos pais, avós, bisavós. Havia uma linha vertical de herança que precisava ser mantida. Na Cultura Virtual de hoje, existe um rompimento com essa tradição vertical, que é substituída por uma fraternidade horizontal. O usuário sente-se devedor de seus contemporâneos, e não de seus ancestrais. Ele não é mais formado pelo exemplo paterno, mas pelo exemplo fraterno dos “brothers”, da “rapaziada”, da “galera”.
Terceira coisa: tanto a Tradição quanto a Cultura Virtual se preocupam mais com o conceito de Processo do que com o de Obra. Um embolador-de-coco e um sampleador de MP3 estão mais preocupados em fruir o prazer criador de manipular do que em cristalizar uma obra pronta e acabada onde “não precisa mais mexer”. É de “mexer na obra” que eles gostam; é do processo de ficar criando e recriando. O gosto de fazer conta mais do que o orgulho pela obra feita.
Quarta coisa: o que caracteriza tanto a Tradição quanto a Cultura virtual é a posse dos meios de produção. Podem ser rudimentares ou de fundo-de-quintal; mas são seus. Um cordelista que imprime seus folhetos no quarto dos fundos compartilha o mesmo espírito do roqueiro que grava seu disco num Cakewalk, queima 150 CDs e sai vendendo na porta dos shows de rock. Nova roupagem para uma liberdade antiga.
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