Talvez estejamos cruzando um limiar da História. A imprensa nos informa que Jon Blake Cusack, um engenheiro de Michigan (EUA) registrou o seu filho recém nascido com o nome de “Jon Blake Cusack 2.0”. Qualquer pessoa que mexa com computadores sabe que esta é a maneira tradicional de distinguir as sucessivas e aperfeiçoadas versões dos programas de informática. Um programa chamado, por exemplo, “Design 1.0” é a primeira versão colocada no mercado; se virmos uma versão chamada “Design 1.1” devemos entender que é o mesmo programa, com algumas pequenas melhoras; o mesmo com “Design 1.2” e assim por diante. “Design 2.0”, no entanto, indica que se trata do mesmo programa, mas com tantas alterações que esta pode ser considerada uma versão substancialmente diferente da anterior.
Cusack não fêz mais do que seguir, em estilo contemporâneo, uma antiga tradição da nomenclatura civil. Quando um pai batiza o filho, por exemplo, de “Valdemar Rodrigues de Melo Jr.”, subentendemos que o pai chama-se “Valdemar Rodrigues de Melo”, e dando aquele nome ao filho ele, simbolicamente, reforça o laço de continuidade genética e social que os une. (Note-se que o contrário de “júnior” é “sênior”, mas esta partícula não é usada aqui no Brasil). O mesmo vale para complementos como “filho”, “neto”, etc. Meu nome completo, por exemplo, é Braulio Fernandes Tavares Neto, colocado em homenagem ao meu avô paterno, que morreu antes do meu nascimento, um poeta e jornalista alagoano que publicou belos sonetos sob o nome artístico de Fernandes Tavares.
Nos Estados Unidos existe também o hábito, típico das famílias ricas e tradicionais, de numerar os descendentes com algarismos romanos: daí termos o bilionário John Paul Getty II e o roqueiro Loudon Wainwright III. É claramente um resquício das pompas da realeza, aquela história de Luís XV e Dom Pedro II. Então, pergunto eu: se pode isso tudo, porque não poderia um cara receber um “2.0” para distingui-lo do pai? Não vejo nada de mais. O que acho interessante é que quem inventou esse tipo de numeração não foi a indústria de informática. Pelo que me consta, os modelos e motores de automóveis também recebem numeração parecida. (Socorram-me, amigos – eu entendo de carro o mesmo tanto que Michael Schumacher entende de literatura.) Mas, ao que eu saiba, nunca ocorreu a um engenheiro de automóveis usar isso num filho, e sim a um engenheiro informático.
É um caso parecido com o dos “emoticons” (“Os emoticons”, 15.8.2003). Durante um século as pessoas usaram máquina de escrever sem perceber que poderiam desenhar carinhas com aqueles sinais. Foi a turma da informática que inventou. Eu diria que estes dois detalhes indicam, no mínimo, pessoas cujo pensamento transcende categorias, pula mais facilmente de um código para outro, de uma linguagem para outra. Só quero ver daqui a dez anos, menino se chamando “Luís Monteiro 3.4 Remix”, ou coisa parecida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário