Um dos livros mais conhecidos sobre a questão das drogas alucinógenas e das chamadas viagens psicodélicas é As Portas da Percepção (“The Doors of Perception”, 1954) de Aldous Huxley. Este livro geralmente é publicado em conjunto com O Céu e o Inferno (“Heaven and Hell”, 1956), que é uma espécie de continuação; são dois textos curtos, complementares.
Muitos livros seus já foram traduzidos no Brasil: Contraponto (edição original, 1928), Sem Olhos em Gaza (1936), O Macaco e a Essência (1948), O Gênio e a Deusa (1955), A Ilha (1962), Também o Cisne Morre (1939), A
Arte de Ver (1942) e outros.
Ele havia abordado a questão das drogas em seu romance
clássico Admirável Mundo Novo (“Brave
New World”, 1932) em que sugeriu que as sociedades totalitárias do futuro não
recorreriam à violência (muito desgastante), mas às drogas apaziguadoras. Em
resumo, ele propunha substituir o chicote pelo chiclete. Basta olhar em volta e
a gente percebe que funciona. (Huxley imaginava a droga sendo produzida e
administrada pelo Estado, e não previu o modo bestial como ela de fato se
instalou entre nós; mas não se pode prever tudo.)
Huxley voltou ao tema depois, com o romance utópico A Ilha (“Island”, 1962), em que as
drogas eram usadas de forma igualmente utópica, ou seja, como um caminho para a
transcendência. Talvez seja aqui que ele aplicou de movo mais organizado as
suas observações e conclusões após sua experiência com a mescalina, feita em maio
de 1953 na sua casa na Califórnia (ele era um inglês “transplantado” para os
EUA), na companhia de sua esposa Maria e do psiquiatra Humphry Osmond.
Essa experiência mostra bem o lado apolíneo de Huxley, um
intelectual sério, metódico, humanista, de cabeça aberta a novas idéias mas
sempre com uma tendência britânica ao formalismo social e à necessidade de
tornar cada experiência pessoal sua algo útil para a comunidade acadêmica e
para a espécie humana como um todo.
A experiência de Huxley foi precedida por tentativas de
muitos outros escritores. O poeta Antonin Artaud provou a mescalina (e não só
ela) nos tempos em que andou pelo México.
O escritor Henri Michaux foi outro que experimentou as
viagens lisérgicas, e seus escritos deram origem a um filme importante, Images du Monde Visionnaire (1964, 34
minutos), dirigido por Eric Duvivier. O
filme procura reproduzir certos efeitos visuais subjetivos, o que não é nada
fácil. (Lembro de um amigo cineclubista que dizia: “Infelizmente, você não pode
fazer uma câmera sentir o efeito do LSD.”)
Michaux se decepcionou um pouco e disse que mesmo num
filme com enormes recursos técnicos e muito dinheiro isso seria impossível:
As imagens teriam que ser mais deslumbrantes, mais instáveis, mais sutis, mais mutantes, mais intangíveis, mais trêmulas, mais atormentadas, mais retorcidas, infinitamente mais carregadas, mais intensamente belas, mais aterrorizantemente coloridas, mais agressivas, mais idiotas, mais estranhas.
O filme pode ser visto aqui na UbuWeb (“o YouTube da Vanguarda”):
E se alguma coisa acontecesse? (...) Pode ocorrer a qualquer momento, talvez agora mesmo; os presságios são visíveis. Por exemplo, um pai de família pode sair para passear e avistar na calçada alguma coisa como um trapo vermelho, sendo arrastado pelo vento. E quando esse trapo estiver bem próximo, ele vai ver que é um pedaço de carne apodrecida, suja de poeira, que avança aos rastos, aos pequenos pulos, um pedaço de carne torturada que rola pela sarjeta expelindo jatos de sangue. Ou então uma mãe irá olhar a bochecha de uma criança e dirá: “Mas o que é isto... uma espinha?”, e verá como aquela carne incha, e se racha, e se abre, e de dentro daquela fenda brota um olho, um olho que parece estar rindo. Ou então as pessoas sentirão algo que parece uma carícia roçando seus corpos, como aqueles juncos que na água dos rios acariciam os corpos dos nadadores. E perceberão que suas roupas são criaturas vivas. E outro indivíduo vai perceber que dentro de sua boca há uma coisa que a arranha. E se aproximará do espelho, abrirá a boca: sua língua terá se transformado numa enorme centopéia viva, que agita as patas e arranha o seu céu-da-boca. Ele tenta cuspi-la para fora, mas a centopéia é uma parte do seu corpo, e ele terá que arrancá-la com as próprias mãos. E começarão a surgir coisas por toda parte, coisas para as quais será preciso inventar novos nomes: o olho de pedra, o grande braço tricorne, o artelho-muleta, a aranha-mandíbula.
(Capítulo “Mardi à Bouville”, trad. BT)
2 comentários:
Olá Professor Bráulio, como está?
Assisti hoje a sua aula magna pelo CCBB e foi sensacional. Quanta coisa boa juntos!
Obrigado pela oportunidade e pela dica ubuweb, estou dissecando e adorei está matéria. Por favor, se tiver outras que possa indicar, agadeço.
Um abraço e vida longa,
Rogério.
Olá, Rogério. Grato pelas palavras de apoio! Explore a Ubu Web, é um verdadeiro tesouro de coisas boas, em texto áudio e vídeo. Grande abraço.
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