Lutar na guerra deve ser uma das experiências mais traumatizantes que um sujeito pode ter. Só não digo que é “a mais” porque ser submetido a tortura deve ser pior ainda. Quando eu era pequeno via filmes de guerra e sonhava com heroísmo, aventura e principalmente massacre de soldados inimigos. Se todos os soldados alemães imaginários que já derrubei com minha metralhadora entrassem no cômputo da II Guerra Mundial, era mais gente do que os russos efetivamente abateram.
Guerra em
Surdina (1964), de Boris Schnaiderman, é um livro curioso escrito pelo nosso
grande tradutor e ensaísta, nascido na Rússia e abrasileirado como tantos
outros da sua geração. Bóris veio para o Brasil menino, naturalizou-se, e lutou
na FEB, na campanha da Itália. Seu livro é um relato bem pessoal de suas
experiências, um misto de memórias e ficção. A ficção entra através do fato de
que seu foco é o soldado “João Afonso”, no qual Bóris projetou fatos ocorridos
tanto com ele próprio quanto com outros companheiros.
O livro é
narrado tanto na primeira quanto na terceira pessoa, com alguns capítulos muito
longos e outros muito curtos, mudanças de ponto de vista e mesmo de estilo.
Parece uma obra escrita ao longo dos anos, aquele tipo de livro que o autor
deixa na gaveta por algum tempo, escreve mais um pouquinho, esquece de novo e
assim por diante. Mas seu andamento não muda, o relato é direto e cheio de
detalhes curiosos.
Acima de tudo,
no entanto, ele transmite a sensação de embrutecimento provocada pela guerra.
Já li aqui e ali testemunhos desse tipo, de que a ameaça constante, a fadiga
física e a violência extrema deixam os soldados feito zumbis, autômatos,
executando ordens e tarefas sem pensar, como se por uma espécie de trauma
protetor eles trancassem dentro de si mesmos a maior parte de sua mente ativa e
deixassem apenas um piloto automático encarregado de cumprir com o dever. A
fome, a sujeira, a espantosa penúria da população italiana por onde passam os
batalhões brasileiros, o choque cultural do contato com as tropas dos EUA, tudo
isso deixa João Afonso e seus companheiros numa espécie de estado crepuscular
permanente.
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