terça-feira, 21 de julho de 2015

3871) Cidadão Kane (21.7.2015)



Revendo Cidadão Kane, revi também o documentário The battle over Citizen Kane (de Michael Epstein e Thomas Lennon, 1996), que acompanha o DVD. O documentário mostra a vida e a carreira de William Hearst, o magnata que Welles alvejou com seu filme, e que lutou, com relativo sucesso, para transformar o filme num fracasso e a vida de Welles num inferno.  Dá ao espectador algo que um livro-biografia de Hearst talvez não desse: uma informação visual sobre o mundo do milionário, seus castelos, suas indústrias, suas campanhas políticas, e a história de sua paixão por Marion Davies (ridicularizada por Welles no filme, com certa injustiça).

Uma das teses principais do documentário é que Kane, como personagem, deve tanto a Welles quanto a Hearst. Por exemplo: Kane é separado à força de sua mãe na infância, o que pode explicar sua necessidade de ser amado por milhões de pessoas, por um país inteiro. Isso não aconteceu com Hearst, mas aconteceu com Welles. E ao longo do documentário de Epstein/Lennon vemos Welles aos 25 anos se maquiando para interpretar Kane com 60, e vemos logo em seguida Welles aos 60 refletindo sobre si mesmo e sobre seus filmes.

Epstein e Lennon mostram como Welles contou seu próprio futuro ao desvendar o passado de Kane; ele acabou sendo um Kane sem Xanadu. Certas obras, produzidas numa fase de euforia criativa e energia vital, parecem levar um autor a um teto que ele nunca voltará a alcançar. Kane é tão profético sobre Welles quanto “O Barco Ébrio” é profético sobre Rimbaud, mesmo tendo sido escrito aos dezesseis anos. Como se depois de publicado o poema e exibido o filme aquilo virasse um mantra inconsciente no autor.

Kane caberia em muitas retrospectivas temáticas: filmes sobre jornalismo, sobre magnatas, filme de mistério investigativo, filmes sobre política dos EUA, filmes neo-expressionistas, etc.  A famosa profundidade de campo na fotografia de Gregg Toland continua notável hoje, com pessoas minúsculas no centro da imagem conversando com alguém de perfil juntinho à câmera. Kane é cheio de personagens vistos de corpo inteiro a dez ou vinte metros, e o enquadramento parece os dos filmes de truques de Ray Harryhausen.  Diz-se que os atores suavam, porque para a imagem ser nítida era preciso inundar a cena de luz, e os refletores eram muito quentes. Orson participou de um programa de rádio com H. G. Wells, em 1940 (aqui: http://tinyurl.com/pn8nuvl). O inglês perguntou-lhe como era o filme que estava fazendo, e ele disse: “É um novo tipo de filme, como um novo método de apresentação, e alguns novos tipos de experiências técnicas e novas maneiras de narrar um filme”.


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