Revendo Cidadão Kane, revi também o documentário The battle over Citizen Kane (de Michael Epstein e Thomas Lennon, 1996), que acompanha o DVD. O documentário mostra a vida e a carreira de William Hearst, o magnata que Welles alvejou com seu filme, e que lutou, com relativo sucesso, para transformar o filme num fracasso e a vida de Welles num inferno. Dá ao espectador algo que um livro-biografia de Hearst talvez não desse: uma informação visual sobre o mundo do milionário, seus castelos, suas indústrias, suas campanhas políticas, e a história de sua paixão por Marion Davies (ridicularizada por Welles no filme, com certa injustiça).
Uma das teses principais do documentário é que Kane, como
personagem, deve tanto a Welles quanto a Hearst. Por exemplo: Kane é separado à
força de sua mãe na infância, o que pode explicar sua necessidade de ser amado
por milhões de pessoas, por um país inteiro. Isso não aconteceu com Hearst, mas
aconteceu com Welles. E ao longo do documentário de Epstein/Lennon vemos Welles
aos 25 anos se maquiando para interpretar Kane com 60, e vemos logo em seguida
Welles aos 60 refletindo sobre si mesmo e sobre seus filmes.
Epstein e Lennon mostram como Welles contou seu próprio
futuro ao desvendar o passado de Kane; ele acabou sendo um Kane sem Xanadu.
Certas obras, produzidas numa fase de euforia criativa e energia vital, parecem
levar um autor a um teto que ele nunca voltará a alcançar. Kane é tão
profético sobre Welles quanto “O Barco Ébrio” é profético sobre Rimbaud, mesmo
tendo sido escrito aos dezesseis anos. Como se depois de publicado o poema e
exibido o filme aquilo virasse um mantra inconsciente no autor.
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