Entre os centenários comemorados este ano, um dos mais
obscuros está sendo o de R. A. Lafferty (1914-2002), um dos escritores mais
fora-de-esquadro da FC norte-americana.
Nunca foi traduzido no Brasil, ao que eu saiba, a menos que tenha saído
por um daqueles livrinhos de papel ruim da Bruguera, Cedibra, etc., nos anos
1960-70, onde muitos anos depois descobri, já sabendo quem eram os autores,
livros de Ballard, Delany, Aldiss, Dick.
A literatura de Lafferty não se parece com a de
ninguém. Ele é o que a crítica de FC
chama de “oddball stylists”, estilistas excêntricos, pessoas que pensam de uma
maneira diferente, escrevem de modo totalmente pessoal, e usam os temas
clássicos da FC (alienígenas, universos paralelos, viagens no tempo,
inteligência artificial, etc.) de uma maneira que deixa perplexos até mesmos os
autores especialistas nessas vertentes.
São autores personalistas, fora de grupinhos, de escolas.
Lafferty era católico, solteirão, engenheiro elétrico, e só
começou a publicar profissionalmente por volta dos 45 anos. Seus primeiros
livros tinham uma mistura desnorteante entre o épico e o humorístico, sem
preocupação com realismo ou verossimilhança, narrando fabulações que tinham de
ser aceitas sem muito exame, como uma história contada ao pé da fogueira. A tradição dos “tall-tales” (contos
folclóricos de exageros e prodígios), a pulp fiction, a mitologia, tudo se
mistura nos cerca de 200 contos e 20 romances do autor. (Veja aqui a página
sobre ele: http://tinyurl.com/prmp43g. O verbete na Wikipédia tem numerosos outros
links.)
Já comentei aqui o conto Novecentas Avós (em: http://tinyurl.com/klwgb4z), da coletânea
homônima. Neil Gaiman (que é seu fã e
tentou imitar seu estilo no conto “Sunbird”, em Coisas Frágeis) diz: “O que
me atraiu nele foi a voz narrativa, acho; o modo como ele constrói uma história,
diferente de todo mundo. A peculiar justeza de sua visão-do-mundo, e a natureza
obscura dela. E as frases.”