quinta-feira, 25 de setembro de 2014

3613) As cidades voadoras (25.9.2014)





Cities in Flight é o nome geral de uma série de histórias de ficção científica publicadas por James Blish entre 1955 e 1962. Mediante a descoberta de uma energia antigravitacional, chamada “spindizzy”, é possível isolar cidades inteiras da Terra, cobri-las com um cúpula pressurizada, transformá-las em verdadeiras ilhas celestes, e fazê-las levantar voo pelo Sistema Solar e além.  Espaçonaves não apenas do tamanho de Manhattan, mas levando a própria Manhattan inteira dentro de si, universo afora.



A FC estava explorando o conceito de naves cada vez maiores, mais complexas, com milhares de tripulantes, “naves-geração” viajando séculos afora pelo espaço. Naves cada vez mais parecidas com uma cidade. Blish pulou ousadamente para a extremidade oposta da idéia. Ao invés de transformar a nave numa cidade, transformou as cidades em naves.



É a mesma mentalidade por trás dos grandes transatlânticos de cruzeiros marítimos, cuja publicidade insiste o tempo inteiro em descrever como algo do tamanho de uma cidade, com todas as opções e todos os serviços de uma cidade, só que despregadas do continente, da continuidade das obrigações do trabalho.  Um paraíso de lazer que cortou o cordão umbilical que o prende ao princípio da realidade, das obrigações, dos deveres.



Cidades realizando a utopia urbana de não se verem presas a um país, a um ambiente rural. A cidade inventiva, tecnológica, aventureira, decolando espaço afora com a única missão de enfrentar aventuras e desafios. A cidade vira uma metáfora da mente, da inovação, da invenção, do progresso, do fervilhar de idéias; é ela quem se lança no espaço aventuresco.  Quem fica para trás é o mundo rural, o corpo físico, aquela coisa conservadora, materialista, cuja necessidade de comida e de descanso atrapalha a criatividade da mente. 



Claro que as aventuras e a necessidade de sobrevivência no espaço acabam mostrando a esses aventureiros o lado mais espinhoso da aventura, mas o ciclo de romances de Blish se baseia numa daquelas imagens que só uma certa arte pode proporcionar. A justaposição inesperada de duas coisas, reveladora de uma realidade inquietante; como os relógios moles de Dali, a bicicleta voadora do “E.T.”, a Gioconda bigoduda de Duchamp, a ceia dos mendigos de Buñuel, os rostos-perfis de Picasso, a Estátua da Liberdade na praia do Planeta dos Macacos.


A idéia ponto-de-partida da Cidade Voadora de Blish é um pouco como a flor que se sustentasse no ar sozinha, sem haste, descrita num poema por Paulo Mendes Campos – a flor sem contato com o chão, a flor que não come estrume, a lírica não contaminada pelas sujeiras da vida real.

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