Durante um fim de semana, um grupo de pessoas se reúne numa casa de campo para se divertir, socializar, prevaricar, lavar roupa suja; uma delas é necessariamente assassinada. É a célula narrativa básica do que se chama “country-house murders”, um subgênero do romance policial que Agatha Christie muito contribuiu para aperfeiçoar. Outro subgênero é o dos “locked-room murders”, os crimes em quartos trancados por dentro, onde um assassino não poderia entrar, ou de onde não poderia sair, sem ser visto. O crime de quarto fechado é um caso mais específico dos “crimes impossíveis ou “desaparecimentos impossíveis”, um rótulo mais abrangente. Seu executor mais brilhante e seu hábil legislador é John Dickson Carr.
O romance de Marcelo Ferroni, Das paredes, meu amor, os
escravos nos contemplam (Cia. das Letras, 2014) reúne essas duas fórmulas
britânico-americanas e o resultado é curiosamente brasileiro. A família rica e
decadente, dona da fazenda onde a história acontece ao longo de uma noite de
tempestade, tem cadeira cativa em nossa literatura, em nosso cinema, está
presente por toda parte deste país, de sul a norte. É uma família de memória
nebulosa e história construída a golpes de certidões e de relatos. A banalidade
dos seus diálogos, dos seus assuntos, é cruelmente verossímil. Todos são seguros de si, da inteireza do seu
mundo, todos são rápidos como um reptiliano no instante de reagir ao aguilhão
alheio.
Quase todo o livro transcorre em um pouco mais de vinte e
quatro horas. Durante essa jornada insone noite adentro, cadáveres são
descobertos, vidas são sacrificadas, mistérios são propostos e solvidos,
máscaras caem, teorias são confrontadas. É a impiedosa noite acesa dos
culpados. O mistério policial é
colocado e resolvido com clareza, mas mais importante do que o truque do quarto
fechado é o modo gradual como o mistério vai se aclarando, por não haver um
herói detetive centralizador. Cada um explica
um detalhe e um ou outro sugere uma teoria geral para tudo.
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