(manuscrito de Lovecraft)
No
recente VII Fantasticon, em São Paulo, participei de uma proveitosa troca de
idéias com o escritor Marcelino Freire sobre “Cortázar e o conto sem véus”, um
passeio pela obra do escritor argentino, um dos maiores contistas do
continente. Marcelino lembrou uma famosa definição de Cortázar, que era um fã
do boxe. Dizia ele que um romance é uma luta de boxe que se ganha por pontos, e
o conto é uma luta em que se ganha por nocaute. (Ele poderia ter dito, se fosse
fã do atletismo, que o romance é uma maratona e o conto é uma corrida de 100
metros rasos.)
Esse
assunto me vem à mente depois que foi concedido o Prêmio Nobel de Literatura à
canadense Alice Munro, que aliás nunca li, mas que fiquei sabendo ser uma
especialista no conto. Isto deu margem a discussões, vindas de todos os lados,
a respeito de contistas que nunca ganharam o Nobel (a começar por Borges)
porque, segundo se teme, a Academia Sueca talvez considere o conto um gênero
menor. (Aqui pra nós, eu acho que há uma veneração excessiva por essa Academia
provinciana e pelo tal Prêmio Nobel, que é tão cheio de injustiças, equívocos e
bobagens quanto qualquer prêmio de academia municipal de letras do Sertão do
Borogodó.)
Acho
que o preconceito em relação ao conto, que o faz perder em importância para o romance,
é o mesmo que acontece com o filme de curta-metragem (considerado “uma obra menor”
em relação ao longa-metragem). Tudo resulta da ética do labor, do trabalho, do
capital, do consumo, uma ética perniciosa que, como sempre acontece, acaba
produzindo uma estética. Acaba determinando (por valores acidentais e externos)
o que é e o que não é uma obra de arte, o que tem e não tem valor artístico.
Por
um lado, essa ética supõe que é preciso mais trabalho para escrever um romance
de 300 páginas do que para escrever um conto de vinte (assim como se supõe que
é mais trabalhoso dirigir um filme de 90 minutos do que um filme de dez ou
quinze). Mais trabalho, segundo essa ótica, significa mais valor. Não se pode
(pensam eles) comparar o valor de 300 páginas ao valor de vinte. (Ao que os
contistas retrucam que é muito mais trabalhoso escrever um livro de contos de
300 páginas do que um romance do mesmo tamanho.)
5 comentários:
Apoiado!
Aquele conto "O imortal" de Machado, vale por um romance.
Acredito que embora o conto seja menos valorizado que o romance, é relativamente comum que os fã de literatura leiam contos, o que não acontece com boa parte dos fãs de cinema. Conheço gente que já viu milhares de longas-metragens e apenas dezenas de curtas-metragens.
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