As nevadas foram mansas durante aqueles meses na província
de Wu Wei. Quando o dia clareava, o Budista Tibetano saía de sua confortável
casa de madeira, cumpria às pressas as tarefas necessárias para que o mundo não
se acabasse, e voltava correndo para dentro, onde sua assistente (ou concubina,
segundo outras traduções) já lhe preparara um narguilê. Todo dia passavam por
ali jornaleiros de bicicleta, distribuindo folhetos com a tinta ainda úmida. O
Budista Tibetano lia e balançava a cabeça, desconsolado.
“Saques e depredações na capital,” queixou-se ele. O
Pavilhão do Chá, a Ópera de Arame, o Museu do Olho, tudo estava conflagrado por
quebra-quebras e por confrontos entre os soldados do Império e os estudantes da
Universidade das Filosofias. “Eles acusam os militares de golpistas, mas são
mais golpistas que qualquer um, só querem o poder agora se for agora. São
capazes de dar a vida pela Revolução, mas não admitem esperar dez anos por
ela.” Tomou um gole de chá e tentou ser
filosófico. “A tragédia do revolucionário jovem é querer que tudo aconteça no
seu tempo de vida, e de preferência no auge de sua energia e disposição. Vai precisar
delas, porque vai ter que bater a cabeça numa parede por trinta anos.” A companheira pegou na bandeja um biscoitinho
da sorte e o entregou. Ele quebrou o biscoito, desenrolou o papel, leu: “E
você, o que sugere?”
“Bem observado,” disse ele, jogando o papelucho pela janela.
“Vem cá.” Ela veio, bem obediente, os dois se encostaram no peitoril, e ele
apontou: “Estás vendo toda esta encosta, com suas casas? Neve e fogo. Nevascas
e fogueiras. Isso é a política. A neve é a natureza. São as coisas que
acontecem acima da nossa vontade ou da nossa conveniência. A seta do tempo. É o
corpo do universo começando a esfriar. Já o fogo é cultura, é revolta, é vida
proibida, é a vingança do homem contra a natureza, por lhe roubar o sol no
inverno.”
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