(Marcelo Grassman)
Há
uma frase de H. G. Wells capaz de intrigar qualquer leitor. Disse ele, no
transcorrer de uma argumentação qualquer: “Um milionário maluco que
encomendasse obras-primas apenas para queimá-las acabaria descobrindo não ser
capaz de comprá-las”. Meu primeiro entendimento foi de que se um maluco
comprasse quadros de Renoir e Van Gogh e os incinerasse, logo ninguém lhe
venderia telas, para que não atrapalhasse o mercado. Ou talvez com um horror
diante de tal crime, porque até contrabandistas e falsários têm amor à
verdadeira arte. (Não é por desdém a ela que fazem o que fazem.)
Mas
suponhamos que Hans Rottensteiler, pintor berlinense, falecido num sanatório
após trinta e um anos de dissipação e ziquizira deixou apenas onze quadros,
todos agora valorizadíssimos. E suponhamos que esses quadros remanescentes
começassem a ser queimados, um a um, em circunstâncias inesperadas, valorizando
proporcionalmente os quadros restantes... Para ficar óbvio que o criminoso é o
que sobrar por último, com os quadros mais caros. (Embora este último se jure
inocente e ansioso para se livrar dos quadros.)
Ou
então que o verbo “encomendar” no enunciado não fosse a ordem peremptória de
“Tragam-me um Toulouse Lautrec, dois Gauguins e um Francis Bacon!”. Fosse
assim: o milionário contrata um muralista para pintar centenas de metros
quadrados de superfície, com um projeto grandioso e uma execução impecável,
apenas para ser queimado na noite da vernissage. Na hora combinada, todos
subiriam para um belvedere, e o mural arderia em chamas. Câmaras e
celulares seriam proibidos (e mesmo assim alguém filmaria).
Podemos
também reinterpretar o “não poderia comprá-las” do final. Não poderia porque,
devido às flutuações da Bolsa e à quebra da Lehman Brothers, nosso bom
milionário hoje só tem de portentosas as dívidas. Mora num apartamento,
sustentado por um industrial que se apiedou dele. Vive pelos restaurantes (tem
uma mesada razoável de seus ex-sócios, todos aliás se deram muito bem na nova
época) pedindo assinatura em listas de subscrição para que ele some três
milhões de dólares e consiga comprar o Chagall que ambiciona ver arder.
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