domingo, 28 de abril de 2013

3172) 14 lugares (28.4.2014)




A choupana onde Nuno Torga declarou seu amor à cozinheira Afonsina e teve que escutar quando ela disse “não quero teu amor, quero uma casa, uns filhos e alguma comida, podes levar teu amor para a beira dum poço e jogá-lo lá dentro”. 

O alambrado onde Dedé Mousinho estava encostado fumando quando uma falta cobrada pelo zagueiro do Guarani bateu na cabeça dele e o nocauteou. 

O elevador do edifício comercial onde Artur Bento ficou preso durante duas horas e meia numa noite de sábado, tempo suficiente para dar um balanço na sua vida e tomar algumas decisões que o salvaram. 

A alameda onde Yashev beijou Ruth na boca, e depois ela beijou suas duas mãos agradecendo a graça.

A desconjuntada escada de mão aberta em V em cujo topo balouçava uma lata, aberta, de tinta azul-cobalto. 

A cratera de dezenas de metros de fundura aberta pela explosão de um petardo governamental que enviou pedaços de dissidentes num raio de cem metros em volta do ponto marcado meio às cegas por um atirador com nota 6,4 em balística. 

A cadeira de engraxate no térreo do grande centro comercial onde um homem ficou sentado por trás de um jornal enquanto um casal específico passava aos beijos diante dele, sem notar sua presença e sem imaginar o que ele ali mesmo imaginou.

A cozinha atarefada do restaurante de hotel cinco estrelas por onde uma moça magra entrou de madrugada, pediu tímida a licença de todos, preparou um chá com as ervas que trouxe, arrolhou a garrafa, agradeceu, voltou para sua suíte e só então os funcionários perceberam que era a estrela inacessível cuja chegada estava anunciada há vários dias. 

O barreiro onde um menino chegou, olhou, examinou, depois afastou-se alguns passos, saiu correndo, tapou o nariz com os dedos, e tibungou no barreiro – e ali mesmo afundou direto e nunca mais ninguém o viu.

O quarto de pensão barata onde beijos foram trocados com alívio e fúria por pessoas que pouco estavam ligando se o mundo quisesse acabar ali mesmo e naquela hora. 

O cadafalso onde um homem, poucos segundos antes de ser enforcado, olhou uma praça com milhares de pessoas gritando, e gostou de sentir-se grande. 

O lixão onde um monte de folhas datilografadas ensopadas em querosene arderam e ajudaram a fazer arder a lenha que embalou uma noite de sono cálido para Estamira.  

A poça vagarosa que a chuva da noite foi alargando em torno do corpo da menina como se fosse uma mandala, protegendo-a, até o amanhecer, quando foi avistada e logo logo a polícia chegou. 

O lugar marcado com um X, porque por alguma razão que não se conhece o lugar marcado com um X é o lugar que vale por todos, é o mapa do lugar procurado por todos.






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