Este filme de Tarantino tem menos ousadia estrutural do que Cães de Aluguel ou Pulp Fiction, e não colide vitoriosamente contra a
verdade histórica como Bastardos Inglórios. É uma espécie de exercício de
estilo, e o que perde em inventividade consegue compensar com “panache”, como
diria o Dr. Schulz.
O filme começa com um anacronismo estilístico: a ficha
técnica passa, de tela em tela, em enormes letras vermelhas, algo que eu não
via há uns 45 anos. A história tem uma sucessão linear de peripécias
não-relacionadas, e nisto parece um romance picaresco ou de capa-e-espada, mais
do que a estrutura afunilada e precisa do faroeste tradicional. O que aliás é
muito adequado. Toda história de um escravo que conquista a liberdade e sai
pelo mundo por conta própria se encaixa na tradição da narrativa picaresca.
Como Alexandre Dumas é citado, posso dizer que é uma espécie
de história de vingança à la O Conde de Monte Cristo (Django tentando
destruir os que maltrataram Hilde) e uma história de aprendizado como Os 3
Mosqueteiros (Django como aluno do Dr. King Schultz, um aluno que no final
supera o mestre).
Tarantino só chama um ator se já sabe exatamente o que ele
vai fazer. Todo mundo que trabalha nos filmes dele parece trabalhar com mais
gosto, com mais “entrega”, como dizem os atores, do que nos filmes de outras
pessoas. Os personagens tornam-se
imprevisíveis e verossímeis porque existe uma integração muito grande entre os
ótimos diálogos dele e o modo como o dizem.
DL é um filme com muitos filmes. Quando no início Schulz
diz a Django que está caçando 3 bandidos irmãos, pensei que o filme ia ser
sobre isto. Que nada, os irmãos são abatidos em dez minutos. As aventuras são
muitas, e Tarantino sabe fazer muito bem duas coisas: confrontos tensos em
situações claustrofóbicas, com pessoas a ponto de serem desmascaradas, mas
mantendo a encenação para salvar a vida, com todo sangue frio; e tiroteios
furiosos, que é o que geralmente se segue a cenas assim.
“Eu sou um caçador de recompensas,” diz o alemão, “de modo
que não sou muito diferente de um traficante de escravos, porque eu forneço
carne humana em troca de dinheiro. Levo os cadáveres, e o governo me paga a
recompensa”. O excesso de poder corrompe absolutamente, e ninguém pode dizer
que no Sul dos EUA, antes da Guerra da Secessão, alguma coisa assim não
aconteceu.
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