quinta-feira, 10 de maio de 2012

2866) Uma história sem palavras (10.5.2012)



(xilo: Lynd Ward, Prelude to a Million Years)

Uma rua deserta, à noite, com casas altas e estreitas, latas de lixo amontoadas à entrada dos becos.  Círculos de luz formados pela iluminação dos postes.  No meio da rua, um homem de chapéu e sobretudo, com as mãos enfiadas nos bolsos, olha para o andar superior de uma das casas.  Na janela, o vidro está rachado, e uma linha ziguezagueante corre em diagonal sobre ele; por trás vê-se o rosto de uma mulher que olha para rua a meia distância, evitando ser percebida.  Ponto de vista da mulher através do vidro: a linha em ziguezague corta obliquamente o corpo do homem.  Um trovão ressoa; vê-se um raio ziguezagueando no espaço.  O homem caído, as roupas fumegantes.  A mulher abrindo a janela, o rosto contraído de susto e terror.

O rosto da mulher numa porta entreaberta num corredor, uma faixa de luz que se projeta para fora, iluminando uma escada que desce.  A mulher ajoelhada junto ao corpo do homem caído na rua.  Ela mexe no bolso interno do paletó dele, tira dali um retângulo de papel com bordas serrilhadas: é uma foto, da qual só vemos o verso.  Com a foto na mão ela fica de pé, olha em volta.  Portas e janelas se abrem, atraídas pelo barulho.  A mulher corre.  Dois fachos paralelos de luz surgem na esquina.  Um carro negro para, junto do corpo caído do homem.  A mulher, sem poder voltar para a porta de onde saiu, esconde-se no recesso de um portal.  Descem os vultos de três homens, e arrastam o corpo caído para dentro do carro, que parte em disparada.  Na rua vazia, a mulher aproxima-se do local onde o homem havia caído. Ajoelha-se, de cabeça baixa, ainda segurando a foto.

Dia claro, rua cheia de gente. Os carros se desviam da mulher ajoelhada. Pessoas olham sem muita curiosidade e seguem. Ela continua ajoelhada.  Todos a evitam meio que sem percebê-la, como se ela fosse uma rocha colocada no meio da rua. Os anos passam. Seu rosto fica cheia de rugas, os cabelos embranquecem. Uma vista mais ampla da rua, onde agora passam carros de modelos mais modernos, e os transeuntes usam roupas modernas.  A mulher continua ali.

Uma guerra devasta a cidade. Explosões, massacres, invasão de tropas, e tudo passa em torno da mulher sem tocá-la. A cidade fica deserta, em ruínas, os prédios desmoronam. O mato toma conta de tudo, mas se mantém à distância da mulher.  Nuvens pesadas se acumulam no céu. Desaba a tempestade. Um raio cai, ziguezagueando; e se imobiliza no céu. A mulher ergue a cabeça para fitar o relâmpago “congelado” no espaço; abaixa os olhos para a foto que ainda mantinha na mão.  Sorri... e se esvai como se fosse feita de fumaça. A foto cai ao chão. Nela, vê-se o mesmo ziguezague do relâmpago.

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