Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 10 de março de 2012
2814) Policiais e detetives (10.3.2012)
(Agatha Christie)
O romance policial evoluiu em dois troncos paralelos, que têm pouco a ver um com o outro. De um lado, a linha intelectual, onde o assassinato é um enigma que precisa ser resolvido pela inteligência de um detetive que, em geral, não faz mais do que olhar a cena do crime, conversar com os suspeitos, pensar bem muito e depois dizer quem foi (autor típico: Agatha Christie). Do outro lado, a linha ativista, em que o detetive interroga suspeitos de modo anticonvencional, vai pra cama com as suspeitas, dá porrada a torto e a direito, e no fim esbarra por acaso com o criminoso e o executa a tiros (autor típico: Dashiell Hammett).
Por isto há tantos mal entendidos quando alguém diz: “Você me sugere algum livro policial?”. É preciso saber do que o outro gosta, porque em ambos os subgêneros há coisa muito boa e muita coisa ruim. Por exemplo: hoje em dia a crítica não suporta nem as elucubrações intelectuais de S. S. Van Dine nem a truculência de Mickey Spillane.
Alguns autores corajosos tentem de vez em quando misturar os dois tipos de narrativa. Philip Marlowe, o detetive de Raymond Chandler, faz o tipo inteligente e durão. O que impede de classificá-lo totalmente na linha dos intelectuais é o fato de que as histórias de Chandler são mais realistas do que as de Agatha Christie, ou seja, são histórias desorganizadas, em que as pessoas praticam atos meio gratuitos, esquecem-se de algo, interferem sem querer nas ações dos outros, de modo que deduzir os crimes cometidos por elas envolve sempre uma margem enorme de pressuposições, de raciocínios incompletos e argumentos tipo “não sei por quê, mas só pode ter acontecido assim”.
Quanto mais intelectualizada uma história policial, ou seja, quanto mais amarradinha for a narrativa em termos de pistas, oportunidades, deduções e explicação do crime, menos realista ela é, porque as coisas raramente acontecem assim na vida real. Ler livros sobre crimes reais é sempre muito educativo para comparar com esse tipo de literatura, porque na vida real os crimes são mal-feitos, mal planejados, mal executados, feitos de improviso, no calor do momento e dos acessos de fúria. Por outro lado, os crimes planejados e executados com precisão requerem para isto uma mente patologicamente fria, intelectual. O romance policial intelectualista tem expandido nestas últimas décadas um subgênero importante: romances onde os detetives precisam reconstituir e entender a personalidade de um serial killer. O serial killer tornou-se o vilão preferencial dos nossos tempos. Uma figura composta, em partes iguais, de inteligência excepcional, egoísmo, sadismo, desprezo patológico pela vida humana.