(The Bully, Alexander Jansson)
Não sei de onde ele veio nem há quanto tempo me habita. Está
incrustado em mim de tal maneira que nada me custaria supor que eu e ele somos
um só. Sei que não somos porque minhas
vontades não coincidem com as dele, nem meus impulsos, nem nada na minha
vida. Vivemos num permanente desacordo e
desencontro, e ainda assim já não imagino como poderia ser minha existência sem
essa presença invisível que desassossega meus propósitos e enche meus dias de
sustos, de revelações.
Há momentos em que mantenho o controle das pernas que me
conduzem pela calçada, mas é ele quem obriga meus olhos a seguirem uma silhueta
feminina que vem e passa. Há dias chuvosos em que nada me apetece mais do que
ficar encolhido sob os cobertores, na penumbra do quarto, mas ele me obriga ao
banho, ao metrô, à Biblioteca, à descoberta de livros que nesse dia se tornam
um recomeço para minha vida. Quando penso em distrair minha madrugada saltando
de saite em saite na web, passeando a mente sem pensar, ele me faz cortar de
brusco a conexão, abrir um arquivo de texto e produzir algo que me inquieta, me
faz derramar lágrimas de que eu não me sabia possuidor, e deixar cravado ali um
episódio obscuro, relatando coisas que não aconteceram na vida de pessoas que
nunca existiram, mas que passam a me servir de espelho ou mapa.
Ele me contraria e me inquieta quando tudo que desejo é
sossego e paz, e por outro lado é ele quem me faz desligar a algaravia multicor
da TV e me recolher ao quarto, à escuridão, ao teto onde se entrecruzam
reflexos dos faróis lá da rua, numa música-de-câmara silenciosa. Não sei por que me habita. Para obter o que certamente
procura poderia estar instalado em qualquer outra pessoa; quem sabe o
improvável mérito que enxergou em mim e que o fez preferir meu cérebro e meus
olhos aos das pessoas de minha família, aos dos meus vizinhos do lado.
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