domingo, 10 de abril de 2011

2527) A anedota de Rui Barbosa (10.4.2011)




Deve ser uma das peças mais famosas da literatura oral brasileira. Às vezes é atribuída a Rui Barbosa, outras vezes a um intelectual qualquer. É sempre um diálogo entre um erudito de fala pomposa e um sujeito rústico que não entende o que ele está dizendo. 

Em alguns casos, o intelectual está querendo atravessar de balsa um rio; em outros, está querendo evitar o furto de um objeto ou animal; em outros ainda, está pedindo para carregar uma carroça com caixas e outros volumes.

Vou contar a versão mais antiga que conheço. Contarei de memória, reinventando os trechos de que não me lembro, como é de praxe na Literatura Oral. 

Ora pois, lá vinha Rui Barbosa andando pela zona rural quando a estrada chegou à beira de um rio. Havia uma balsa amarrada a um tronco, e nela um negão forte, que era o remador. Rui, cansado de andar, apoiando-se numa bengala, dirigiu-se a ele:

“Ó, nobre etíope de estatura avantajada! Quanto queres de remuneração pecuniária para trasladar meu indelével corpo deste polo àquele hemisfério? Peço-te que uses de magnanimidade ao fazer o cômputo da remuneração monetária a que tens direito, porque apesar da sisudez de minha indumentária estou longe de ser um nababo ou potentado, e não disponho de lastro fiduciário para fazer frente a um débito de maiores proporções”.

O barqueiro ficou perplexo e disse algo como: 

“Eita doutor, o senhor tá falando inglês?!” 

Rui tornou de imediato: 

“Ah, aborígine de mentalidade incúria! Se o dizes por mera ignorância intrínseca ao teu ser, e por falta de luzes civilizatórias auferidas na mais tenra infância, então transijo. Mas se pretendes menoscabar a minha alta prosopopéia, pespegar-te-ei um golpe, com meu poderoso báculo, que irá fender tua caixa craniana e espalhar pela paisagem a massa encefálica de que não fazes uso, produzindo um ribombo tão ensurdecedor que fará estremecer o entroncamento das sequóias e afugentará para sempre as aves migratórias deste meridiano!”.

Tipo isso. O mais interessante de episódios assim é que – como ocorre com os Mitos estudados pelos antropólogos, como ocorre com as versões do Romanceiro Popular Nordestino, como ocorre com as nossas prosaicas anedotas de mesa de bar – não há duas versões iguais. 

Mesmo que um pesquisador grave mil pessoas contando a mesma historieta, todas contarão versões substancialmente diversas umas das outras, e não estou me referindo a uma mera troca de sinônimos ou mudança na ordem das frases. As circunstâncias mudam, o vocabulário muda, as ações descritas mudam – mas a história é essencialmente a mesma.

A Literatura Oral existe numa zona cinzenta entre a fixidez da Literatura Escrita e a improvisação do teatro popular (tipo Commedia dell’Arte) em que não se trabalha com um texto fixo e sim com um roteiro de ações e de frases guardados de memória, o qual, no momento da execução, fica sempre ao sabor da memória e da agilidade mental do contador. Contar é reinventar, sempre.






2 comentários:

Prof. Rodrigo Fernandes disse...

Meu caro Braulio,

apesar da simplicidade da questão, não deixarei de fazê-la (por mais que Edward M. Forster costume dizer que "a curiosidade é uma das mais inferiores faculdades humanas" - é claro que ele diz isso tentando chamar atenção para a necessidade de uma "inteligência" e uma "memória" que organizem essa simplicidade do "e depois?"...), ainda assim, repito, faço a pergunta: e depois? Como é que o "nobre etíope de estatura avantajada" ou "aborígine de mentalidade incúria" responde a essa nova verborragia de Rui Barbosa? Fiquei curioso. Simplesmente assim.
Lembro-me de um professor de literatura que costumava contar uma anedota semelhante. Nela, porém, comparecia Rui Barbosa em um barbeiro. Após uma questão semelhante a essa a respeito do preço, o barbeiro atrapalhado com a estranheza das palavras responde algo do tipo: "doutor, diante de palavras tão belas, sinto que não haveira melhor forma de pagar pelo meu serviço". E não cobra nada.

Anônimo disse...

EU LEVO OU DÊXO???...

- Diz a lenda que Rui Barbosa, ao chegar em casa,
ouviu um barulho estranho vindo do seu quintal.

Foi averiguar e constatou haver um ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular
o muro com seus patos, disse-lhe:

- Oh, bucéfalo anácrono!!!...Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa.
Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica,
bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada..

E o ladrão, confuso, diz:

- Dotô, rezumino...eu levo ou dêxo os patos???...