Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 21 de agosto de 2010
2326) “As esposas de Stepford” (21.8.2010)
Em O Bebê de Rosemary (1968) de Roman Polanski, um jovem casal que começa a ascender socialmente vai morar num grande apartamento no Central Park. Aos poucos, a mulher vê o marido se portando de maneira estranha, e descobre, para seu horror, que ele se juntou a um grupo de vizinhos satanistas que pretendem fazer com que ela engravide do Diabo e dê à luz o Anticristo.
Em As esposas de Stepford (1975) de Bryan Forbes, um jovem casal que começa a ascender socialmente vai morar numa grande casa no subúrbio. Aos poucos, a mulher vê o marido se portando de maneira estranha e descobre, para seu horror, que ele se juntou a um grupo de vizinhos cientistas que pretende fazer com que ela seja substituída por um andróide programado para obedecer passivamente ao marido.
Estes dois filmes tão diferentes e tão parecidos são ambos baseados em romances de Ira Levin (publicados respectivamente em 1967 e 1972).
Liguei a TV um dia destes e estava nos minutos iniciais de The Stepford Wives, que eu vira há uns 20 anos. Sentei no sofá e vi até o fim, mas como não vi os créditos iniciais não me lembrei (talvez nem soubesse) dessa participação de Ira Levin. Mas a certa altura pensei: “Danou-se, é igualzinho ao Bebê de Rosemary”.
Isto mostra que é possível pegar a mesma história emocional (a mesma sinfonia macabra de alegria, depois ensombrecimento, depois angústia, terror e dilaceração final) e contá-la em duas histórias factuais muito diferentes, e até de gêneros diferentes. A mecânica é a mesma; o esqueleto dramatúrgico é o mesmo (claro, detalhes variam aqui e acolá); mudam apenas o cenário, os personagens e a natureza interna de alguns processos.
As esposas de Stepford (que foi grotescamente refilmado, com Nicole Kidman e Matthew Broderick) é um filme de FC meio desdenhado pela crítica; revendo-o agora, constatei o quanto é atual. Ele é o pesadelo de uma mulher independente perdida num inferno consumista, alienado.
As mulheres de Stepford parecem esposas de candidatos do Partido Republicano: passam o dia maquiladas, com cabelo armado, trajando vestidos longos e estampadíssimos, com chapéus de sol; devotam-se às tarefas domésticas, e obedecem cegamente aos maridos. Não, “cegamente” não: obedecem de olhos abertos e com um inextinguível sorriso nos lábios. Numa cena em que a protagonista entra sem avisar na casa da vizinha, ouve o casal no quarto, e a amiga, que é casada com um panaca, gemendo de êxtase e dizendo que ele é “o maior, o campeão”.
Sim, os maridos (são todos cientistas, o que em círculos republicanos não está muito longe de serem todos satanistas) copiaram todos os detalhes da aparência de suas esposas, transferiram tudo para andróides bem programados, e, digamos, descartaram a versão biológica.
Um pesadelo cruel e philipkdickiano que mistura Hustler e Popular Mechanics, com uma colher de Casa & Jardim e dois dedos de Vampiros de Almas.