terça-feira, 24 de agosto de 2010

2328) O “Ulisses” húngaro (24.8.2010)


(outro livro, com o autor na capa) 

Cada país tem sua obra literária equivalente, em certos aspectos, ao Ulisses de James Joyce. Em geral são romances enormes, das primeiras décadas do século, quando um certo tipo de Modernismo literário atingiu o seu auge. 

Esse Modernismo misturava grandeza épica, investigação psicológica heterodoxa (o freudianismo era heterodoxo, naquele tempo), experiências radicais de linguagem e narrativa, imersão na cultura da metrópole e registro de seu ritmo descontínuo, da superposição e entrelaçamento de realidades sociais e linguísticas. 

Em cada país emergiu à superfície pelo menos um “iceberg” literário com esse perfil. Para o autor Joshua Cohen, que fez um levantamento dos “Ulisses” de várias culturas, o Ulisses húngaro é o romance Prae (1934) de Miklós Szentkuthy (1908-1988), que ele descreve assim: 

“Szentkuthy, cujo próprio romance nunca foi traduzido para o inglês, tem um ponto de contato único com o romance de Joyce: ele o traduziu para o húngaro. Seu romance Prae – o título é uma preposição latina, que significa ‘antes’ – apresenta personagens que se tornam cifras à medida que mudam de idade e de sexo (reflexos do Orlando de Virginia Woolf). Um ousado romance intelectual, preocupado com fenomenologia e outras tentativas de pensamento objetivo típicas da virada do século, ele se conecta ao livro de Joyce não apenas através do enredo, mas do seu argumento e suas metáforas”. 

Não parece existir muita coisa na Internet sobre Pré (seria este o título em português). Um blog espanhol traz um material razoável sobre o autor, inclusive uma curiosa foto sua em companhia da noiva (http://szentkuthy.blogspot.com/). O autor do blog, Jorgewic, comenta assim o romance: 

“Entre 1928 e 1931, começa a tomar forma na mente de Miklós o diário/romance Prae, um originalíssimo exercício de paródia filosófica visando os existencialistas alemães, tão em voga naquela época (Heidegger, Jaspers, Husserl). Nem mais nem menos que isto. Sem dúvida deve ter sido algo desconcertante naquela época: citações de livros inexistentes, matemáticas repletas de abstrações impossíveis, refutações fantásticas e comentários de uma categoria doutrinal surpreendente (e totalmente inventadas, na maioria dos casos), um grande aparato memorialístico e biográfico a serviço da estética mais impressionista (e muito joyceana, valha a expressão), um tumulto generalizado de idéias, psicologia, aforismos e expressões de corte ‘proustiano’ que em nada ficavam a dever ao autor da Recherche. Tudo isto era Szentkuthy, com apenas 20/25 anos, fazendo seu nome, um sujeito que se atrevia a edificar uma tamanha catedral literário-metafísica sem se encomendar nem a Deus nem ao Diabo, misturando Picasso, Planck, a Bauhaus, Huxley, Giraudoux, Einstein e outros. Seu estilo está por depurar (ele sabe que é uma questão de tempo), mas a brutalidade lógica de sua forma de pensar e sentir já se impõem, e não o intimidam”.




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