terça-feira, 13 de abril de 2010

1901) A cantoria de Viola (12.4.2009)



Peço desculpas aos apologistas do repente; este artigo não versa sobre um violeiro, mas sobre um artilheiro, que já fez as alegrias de muitas torcidas e deu dores de cabeça a todas. Vi-o pela primeira vez no longínquo 1988, quando eu assistia num domingo à noite os “Gols da Rodada” na Globo, e “a voz marcante de Léo Batista” anunciou: “E agora vamos ver a festa da torcida do Corinthians, que acaba de se sagrar campeão paulista, e ver também o gol do título, marcado pelo jovem jogador Viola...” E lá veio a imagem, nos últimos minutos do jogo, da bola cruzada rasteira da ponta direita e aquele neguinho magrela jogando-se de carrinho e empurrando-a para dentro do gol. No domingo passado, 5 de abril, Viola deu um depoimento a Pedro Motta Gueiros, do Globo, e o resultado é o perfil de um jogador cuja origem social não difere muito das de muitos repentistas. Foi um menino pobre, virou atleta rico, foi campeão do mundo pela Seleção em 94, hoje tem 40 anos e joga no Duque de Caxias (RJ).

Diz ele: “No mundo do futebol, você tira cinco que nasceram em berço de ouro. Pega o Kaká, o Caio... O Leonardo também era? Não sabia. O cara fala dez línguas, tinha que ter dinheiro. Eu não falo nem português. (...) Meu pai descarregava caminhão no Brás. Ele se chama Dor, de dor... celino. Dorcelino, dolorido. E a mãe, Joana, era empregada doméstica. A gente morava num barraquinho de madeira, chovia dentro porque os caras tacavam pedra”.

Viola fala da infância difícil, quando fugia da escola para jogar pelada ou carregar sacola de madame na feira. “A gente fazia muita fogueira para se alimentar. Batata-doce é de graça. Em qualquer mato, você capina e arranca uma fenomenal. Em volta do fogo, tinha cinco legais e outros cinco que saíam para roubar”. É uma estatística intuitiva, mas que expressa bem a visão dos rapazes de favela ou de periferia. Metade vira bandido, metade não vira. E sempre que vejo um cara assim, dando duro, fico me perguntando o que o fez preferir ser honesto e ganhar uma merreca, quando poderia entrar para o crime e ter a chance de viver uns poucos anos de riqueza. Claro que eu sei por que foi, uma vez que eu também não entrei para o crime. Mas fico pensando.

Viola tem amigos de infância, com quem convive até hoje, chamados Buteco, Sessenta e Calango. Ganhou dinheiro? “O que eu ganhei já se foi. Para mim, dinheiro continua sendo do capeta, mas num país como o nosso é preciso tê-lo. Se não, você vai no hospital público com dor de cabeça, te aplicam uma injeção, te matam e fazem negócio com a funerária para te vender”. Viola é falastrão, e não perdeu a “goga” de todo boleiro: “Quem encerrou a carreira do Baresi fui eu. Naqueles minutos que joguei na final da Copa de 94, dei dois cortes, ele já caiu sentindo um problema na coluna e nunca mais voltou. Tenho o vídeo.” Grande Viola, grande reportagem, grande Brasil.

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