terça-feira, 16 de março de 2010
1795) A nota de mil dólares (10.12.2008)
Terremotos financeiros têm abalado nos últimos meses as Bolsas de Valores do mundo inteiro, e derrubado bancos norte-americanos como se castelos de cartas fôssem. É, segundo dizem, a maior crise internacional do capitalismo desde a quebra da Bolsa de Wall Street em 1929. Isto me lembra. um contozinho obscuro de 1935, “The Thousand Dollar Bill”, de Manuel Komroff, um conto típico desse tempo da Grande Depressão. Já vi o conto em mais de uma antologia, e para mim ele exprime bem o espírito do capitalismo, principalmente do capitalismo norte-americano, no que ele tem de bom e de ruim.
É a história de Henry Armstrong, um rapaz de Fairview, típica cidadezinha do interior. Um belo dia, andando pela rua, ele acha no chão uma nota de mil dólares. Mal pode acreditar no que vê, mas como é um rapaz consciencioso dirige-se ao jornal local e pede para botar um anúncio alertando o dono da nota (parece Machado de Assis, com seus personagens que não param de achar dinheiro na rua). Henry trabalha numa seguradora local, e ao conversar com o redator do jornal diz logo que pretende casar com sua noiva Dolly e cair fora de Fairview, que é uma cidade estagnada e sem futuro.
Quando a matéria sai no jornal, a cidade entra em polvorosa. De uma hora para outra, Henry, que era um rapaz tímido, enche-se de confiança pela posse da nota, e praticamente “toca fogo” na cidade, despertando uma polêmica sobre trabalho, emprego, futuro, oportunidades, etc. O Conselho Municipal envia um protesto contra Henry. O patrão dele manda chamá-lo para repreendê-lo, mas Henry se demite no ato. Enquanto isto, o editor do jornal simpatiza com ele e contrata um seguro para o jornal (coisa que a companhia tinha tentado negociar há anos). A população, vendo o debate, se divide, uns apoiando Henry, outros discordando dele.
Em uma semana, tudo muda em Fairview. O patrão de Henry não aceita seu pedido de demissão e dá-lhe uma promoção com ordenado maior e comissões. O Conselho Municipal reconhece a importância de suas críticas e o nomeia como membro. E uma tarde, quando ele e a noiva estão conversando, examinam melhor a nota de mil dólares e percebem que ela é falsa.
A nota era falsa, mas o acesso de auto-estima que ela despertou era verdadeiro. Graças à auto-confiança de quem julga ter mil dólares no bolso, Henry não apenas deu uma sacudida em sua própria vida, mas na de toda a cidade, que despertou de sua letargia. Assim é o capitalismo financeiro. É dinheiro de mentira, e a maioria dos que o cultivam sabe disso. O sujeito clica num link e vê um saldo que é mentiroso, mas, enquanto isso gerar mais atividade econômica, é tão bom acreditar! O problema é quando a quantidade de dinheiro falso gerada por este processo supera em muito a quantidade de riquezas reais que lhe dão lastro. As notas de mil dólares da prosperidade neo-liberal estão pipocando e sumindo aos milhões a cada segundo que passa, e desta vez deixarão mais prejuízo do que lucro.
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