quinta-feira, 4 de março de 2010

1743) “O Terminal” (11.10.2008)



Este filme de Steven Spielberg reconta a história real de um sujeito que por problemas burocráticos teve que viver durante anos num aeroporto, sem poder sair para a cidade nem voltar para seu país de origem. O filme tem todas as qualidades dos filmes de Spielberg que não são super-espetáculos. O espetáculo desta vez é visível e invisível ao mesmo tempo, é o gigantesco cenário construído para fazer o papel do aeroporto de Nova York. Um labirinto de cores, luzes fluorescentes, lojas, bancos de espera, e uma multidão de gente elegante puxando malas com rodinhas, indo em todas as direções. O roteiro consegue a proeza de passar quase duas horas sem sair desse ambiente e sem cair na monotonia. Ficamos sabendo as vidinhas e as histórias pessoais daqueles funcionários invisíveis que atendem na lanchonete, limpam o chão, empurram carrinhos.

Como geralmente acontece com os filmes de Spielberg, a versão na tela é muito mais açucarada do que a história real, e tem desde a glacê de um namoro até a cereja de um final feliz. A verdadeira história, do iraniano Mahran Nasseri é muito mais sombria e trágica. Ele não é parecido com Tom Hanks: lembra mais Harry Dean Stanton. Bloqueado no aeroporto de Paris, sobreviveu ali por anos, recebeu uma indenização, teve seus papéis liberados, mas entrou num parafuso mental e recusou-se a sair. Parece que continua lá. Como castigo maior, nunca passou uma noite com Catherine Zeta-Jones. Algo de sua história está aqui: http://www.geektimes.com/michael/culture/reality/merhan-nasseri/stranded.html.

No filme, Nasseri foi transformado em Viktor Navorski, e vem da fictícia república da Krakozia, onde ocorre um golpe de Estado justamente na noite em que ele viaja aos EUA, tornando inválido seu passaporte. Viktor é portanto um quase-russo perdido nos EUA (ele fala russo, e supõe-se que a Krakozia seria um daqueles paisezinhos órfãos da URSS). A verdadeira história é o contrário. Dramaturgicamente ele é um caipira americano perdido na Rússia, numa selva burocrática comandada pelo arqui-vilão Dixon (o excelente Stanley Tucci), careca, de terno preto, um típico burocrata stalinista, bitolado, meio sádico, metido a espertalhão, covarde, autoritário. Viktor vai se tornando cada vez mais americano à medida que os meses se passam. Primeiro descola pequenos expedientes para não passar fome, depois trabalha como um mouro, cria laços de cumplicidade na rede invisível de migrantes que ocupa os escalões inferiores de qualquer profissão americana.

Sua vitória final é a vitória de quem aprende, mais do que a língua inglesa, o jeito americano de fazer com que as coisas funcionem, e os valores que os americanos tanto prezam: trabalho, honestidade, franqueza, solidariedade com os vizinhos, etc. Roger Ebert definiu muito bem o filme quando disse tratar-se de “uma parábola kafkeana otimista, na qual é um indivíduo que persegue a burocracia”.

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