quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

1581) Eu quero mudar o mundo (6.4.2008)




É um tique mental de nossa época. Todas as vezes que critico algo de errado, alguém diz: “Que é isso, rapaz! Você é um daqueles ingênuos que querem mudar o mundo?!” Claro que quero, sim, mudar o mundo, e não acho que seja ingênuo por querer isso. (Sou ingênuo noutras coisas; não nessa.) Querer mudar o mundo nunca foi ingenuidade, nunca foi utopia. Mudar o mundo não apenas é possível. É inevitável. Mudamos o mundo o tempo inteiro enquanto estamos vivos, enquanto estamos andando, agindo, falando, fazendo coisas. Optando, influenciando, interferindo.

Quando eu tinha dezesseis anos, a palavra de ordem era “mudar o mundo”. O cinema daquela época, a música popular, a literatura, o teatro, tudo que se fazia naquela época tinha como objetivo mudar o mundo. OK, nem tudo era assim – mas a parte mais significativa, mais inovadora, mais criativa e mais inteligente era assim. Todo mundo queria mudar o mundo. A expressão hoje na moda, “fazer sucesso”, já existia, mas era condicionada ao sucesso de cada um nessa tarefa, ou seja, à quantidade e qualidade de mudanças que cada um conseguia produzir.

Porque na verdade ninguém muda o mundo inteiro, instantaneamente, com um estalar dos dedos, uma batida da varinha-de-condão, não é mesmo? Os rapazes espertos de hoje, que só pensam em sucesso (leia-se: ganhar muito dinheiro), parecem supor que os projetos antigos de “mudar o mundo” buscavam isso – uma mudança tipo conto-de-fadas, um clique, um enter, um play. Pois olhe, naquele tempo não havia mudança que não exigisse esforço, trabalho, sacrifício; que não exigisse estudo ou preparação. O ideal de “mudar o mundo” não tinha a visão de hoje, quando tudo parece ser acessível e acessável, quando ninguém precisa nem saber ler para poder navegar, quando nem é preciso saber escrever para escolher o produto, basta levar até ele o dedinho do cursor e apertar o botão.

Estou sendo irônico com a cultura digital? É meu direito, porque foi minha geração, a dos cinquentões, que a inventou. Tim Berners-Lee, que inventou a World Wide Web, é mais novo do que eu; Bill Gates e Steve Jobs também. (Não digo isto para me gabar, porque além desse dado numérico não tenho muito a ver com esse pessoal.) Foram necessárias muitos milhões de noites em claro, simultaneamente, para criar os programas e protocolos que possibilitam a galera de hoje estar a um clique de distância do produto que querem comprar ou da foto de mulher pelada que estão procurando. (E, mais uma vez, não quero ser melhor do que ninguém – também compro produtos e olho foto de mulher pelada.) A poesia e o cinema talvez não mudem o mundo tanto quanto a informática e a política, mas mudam, sim, tudo muda. O mundo muda como o vento se move. Só é vento porque está se movendo, e só é mundo porque está mudando. Cabe à gente embarcar na mudança (que ocorrerá, queiramos ou não) e dizer: “Já que vai mudar, é pra mudar assim”. E mostrar como.





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