terça-feira, 2 de junho de 2009

1061) Meus caros poetas (10.8.2006)





(poema de Drummond)

Sou um consumidor compulsivo de poesia, em forma de livros, revistas, suplementos literários, saites na Web, sem contar com o material que recebo à minha própria revelia pelo Correio. Como já falei aqui, a maioria não me toca de modo especial, nem no intelecto, nem nas emoções. 

Ler um poema alheio é como ver a foto de uma família alheia: “Esta foto é de minha mulher e meus dois filhos. Que tal? Você acha que minha família é boa? Gostou? ” O que podemos dizer, caros poetas? Eu prefiro dizer que gostei, afinal de contas, é a família do cara. É o poema do cara. Custa nada dizer que gostou?

Às vezes, contudo, a gente gosta. Tem poemas que parecem despregar-se do autor e pertencer a um patamar diferente deste onde vivemos nós: o patamar da Linguagem. 

Isto não quer dizer que a Linguagem seja superior à vida real, mas que ela está num nível um pouco mais abstrato do que este onde existimos, e é nesse nível dela que os produtos dela precisam ser avaliados.

Às vezes cai na mão da gente, por exemplo, um livro de correspondências. Lemos a carta que um desconhecido do século 19 escreveu para alguém. Pode ser uma carta comum, cuja leitura nos deixe indiferente e nos faça dar de ombros. Mas pode ser uma carta que tenha algo diferente, e aí não importa quem é ou quem foi o autor, ou o destinatário. É uma carta escrita em 1820 por um cara que não existe mais, mas tem algo nela que continua existindo. 

Este algo é a linguagem, e não estou me referindo a ser “bem escrita”, com vocabulário rico e com exibições de estilo. Pode até ser uma carta feita com dificuldade, cheia de erros de português, mas é bem escrita porque diz coisas importantes. As tais coisas importantes que a Literatura nos traz parecem sê-lo pelo seu conteúdo, mas, se a gente prestar atenção, vai ver que esse conteúdo foi tornado mais vívido pelo modo de dizer.

Quando Carlos Drummond diz: “Mundo, mundo, vasto mundo, mais vasto é o meu coração”, ele parece estar nos revelando algo pela primeira vez. Há mil maneiras de dizer essa mesma idéia, mas ele escolheu talvez a melhor. 

Poderia ter dito: “Oh, mundo! Como és imenso! Mas mais imenso do que o teu tamanho, companheiro mundo, é o tamanho do coração deste pobre poeta que vos fala!” É a mesma idéia, não é? Mas não é a mesma coisa.

O problema da grande maioria dos poemas que rola por aí (os meus inclusive) é que não passam de tentativas de reproduzir poemas que nos disseram algo de interessante; ou tentativas de desabafar no papel as nossas hesitações existenciais, nossos conflitos afetivos, nossa indignação cívica. 

Em geral, esses conteúdos resultam numa poesia que só diz alguma coisa ao sujeito que a escreveu. A gente percebe como ele estava se sentindo ao escrever: melancólico, ou eufórico, ou contemplativo. Mas percebe indiretamente. O poema vira um problema quando é um mero registro de uma emoção mas a linguagem em que foi expresso não gera emoção em ninguém que não seja o autor.







Um comentário:

Ofício Literário disse...

Concordo... é realmente difícil escrever poesia, mas deveria ser mais difícil. Eagleton diz que um bom poema é aquele que sobrevive a uma leitura demorada. Acho que está faltando isso: tempo. Para escrever há que se ter o impulso, a vontade de colocar as ideias, a narrativa, os versos, no papel. Mas há que se ter o tempo necessário para deixar que amadureçam. Há que se ter o tempo para repensar e refazer.
Estamos à procura de ideias e debates no meio literário e editorial. Se tiver um tempo, passe em nosso blog (falo nosso pois é meu e de um grupo) e deixe sua opinião: blog.oficioeditorial.com.br

Estamos encucados com a questão: onde está o novo escritor brasileiro? quem o publica? como fazer para que ele não seja soterrado em uma nação de best-sellers.

abraço

Érica