Um especial recente no Canal Sportv discutia a dificuldade de se fazer no Brasil um filme de ficção convincente sobre futebol.
Os nossos melhores filmes futebolísticos são documentários à base de entrevistas, gols de arquivo, etc. Mas os filmes de ficção, com atores, por mais bem intencionados que sejam acabam sempre batendo fofo. Por que será? Tenho três hipóteses.
A primeira é que jogo de futebol encenado sai sempre falso.
Ninguém é bobo, ninguém se ilude com aquelas jogadas coreografadas na prancheta e regidas a megafone. Todo mundo percebe que aquilo é uma porção de atores fingindo que driblam e fingindo que foram driblados, o goleiro saltando de mentirinha para que o gol aconteça, e assim por diante.
É uma encenação sem os trancos-e-barrancos de um jogo verdadeiro. Isso vale para todos os filmes, desde aquele filme de John Huston com um elenco improvável que reunia desde Pelé a Sylvester Stallone, até o recente O Casamento de Romeu e Julieta de Bruno Barreto, com uns jogos Palmeiras x Corinthians bem esforçados, mas que não enganavam ninguém.
A única solução possível seria vestir dois times com os uniformes desejados e prometer um “bicho” substancial pela vitória, para que eles jogassem pra valer, e fosse possível editar algumas jogadas e gols convincentes.
A segunda razão é uma ampliação da primeira. O público de futebol, por mais ingênuo que seja em alguns aspectos, é muito bem informado sobre o mundo do futebol. Ouve resenha, lê jornal, acompanha noticiário, absorve futebol por todos os poros. Conhece as manhas e as mutretas do mundo esportivo. Nesse sentido, é muito mais malandro e crítico do que o público de música popular, que se liga apenas nas canções e no “glamour” das estrelas, e pouco ou nada sabe dos esgotos da indústria fonográfica ou dos sórdidos porões do showbiz.
O pessoal de futebol sabe tudo que rola entre cartolas, federações, empresários, etc. Sabe das politicagens, das máfias, das conspirações. E em geral sabe muitíssimo mais sobre isto do que os autores do filme. Quando vê o filme, as ingenuidades saltam aos olhos.
A terceira razão é que o torcedor de futebol, em geral, não é um esportista que gosta do jogo pelo que ele tem de beleza estética ou de simbolismo metafísico. Ele gosta é da disputa, da batalha, da competição, da hora do vamo-ver.
Gosta da expectativa que cerca mesmo os jogos mais insignificantes, mas nos quais, como dizia Nelson Rodrigues, ao apito do juiz abre-se uma janela para o infinito. No futebol de verdade, tudo pode acontecer, e tudo acontece em tempo real, como numa Cantoria de Viola.
Quando um torcedor acostumado a isto vai ver um filme sobre futebol, não tem nem de longe a adrenalina que lhe é produzida pelo verdadeiro espetáculo, porque sabe que ali é tudo mentirinha, tudo encenação. Para emocionar um torcedor assim, seria preciso um gênio dramatúrgico que até hoje, ao que eu saiba, não apareceu.
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