(M. C.Escher, Gallery)
Suponhamos que o Brasil evolua, cresça, enriqueça, se desenvolva, a tal ponto que um dia tenhamos cerca de 100 ou 200 ministérios para administrar uma sociedade tão rica e complexa. Talvez o Governo julgue de bom alvitre criar o Ministério da Poesia, a quem caberá definir e executar as políticas públicas de fomento à atividade poética no país. Uma das primeiras coisas que o Ministério fará será regulamentar a profissão, com a exigência de diploma universitário. Um poeta terá que ser formado nesses cursos, que não brotarão do nada: serão cursos de graduação desmembrados a partir dos cursos já existentes.
Se esse fato se desse hoje, provavelmente os cursos de Bacharelado e Licenciatura Poética brotariam das nossas faculdades de Letras. Mas como isto não deverá ocorrer nem hoje nem num futuro imediato, não é impossível que venham a surgir no seio dos cursos de Comunicação e Marketing, direção em que a poesia atual vem se encaminhando de forma consistente nas últimas décadas.
Um convênio com o Ministério do Trabalho deverá regulamentar o exercício da profissão, estabelecendo a famosa “tabela de remuneração mínima”, como existe hoje para os músicos, que têm um piso de cachê para show ao vivo e para hora de estúdio. Digamos que a preço de hoje o poeta tenha garantido o pagamento de um real por linha, no ato da aceitação do poema pela revista ou pela editora. Nada mau. Uma mera revista de ficção científica, como a Asimov’s, paga aos poetas de FC um dólar por linha, mas estabelece um máximo de 40 linhas (se não, o cara mandava um troço do tamanho dos “Lusíadas” e ficava rico).
Aí vai começar uma questão delicada. Grupos de trabalho interministeriais, ou comissões mistas, reunir-se-ão em torno de imensas mesas de mogno, abastecidos por suprimentos incessantes de cafezinho, adoçante e água gelada, para definir o que é poesia. A tarefa parece titânica e inalcançável, mas não subestimemos, amigos, os poderes de uma Comissão Federal. Comissões federais bem podem repetir o famoso verso de Torquato Neto: “Eu posso, eu quero, eu quis, eu fiz”. Se a existência de Deus ou o tamanho do Universo não estão comprovados até hoje, foi porque não ocorreu a ninguém a criação de uma comissão mista para fazê-lo.
Problemas surgirão; é a lei da vida. Os não-poetas se sentirão compreensivelmente marginalizados ao ser-lhes proibido o exercício não-regulamentado dessa atividade. Surgirá talvez um movimento reivindicando cotas, e aí em cada livro de poesias 10% das páginas serão reservadas para a inclusão de poemas redigidos por operários, campônios, médicos, engenheiros ou (mais provavelmente) concunhados e primos em terceiro grau dos membros da comissão ministerial, “para que a vivência e os benefícios morais da atividade poética sejam democraticamente estendidos a todos os setores representativos da nossa diversidade étnica e social”.
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