Existe uma campanha contra a americanização de nossa língua, contra o uso de termos em inglês quando temos equivalentes legítimos em português, e mesmo quando não os temos nada nos impede de criá-los. No futebol, por exemplo, inventamos “escanteio” para substituir “corner”, traduzimos “center-forward” para “centro-avante”, criamos nossos próprios termos – aí estão expressões como “cabeça de área” ou “ponta de lança”. Aportuguesar é apropriar-se culturalmente. Enquanto usarmos os termos ingleses é como se pagássemos royalties simbólicos, reconhecendo que os proprietários daqueles termos e daquelas idéias não somos nós, são os outros.
Radicalizar? Nunca. Palavras como “futebol”, “gol” ou “pênalte” reafirmam a origem. Mas isto são hoje exceções. Meu pai era do tempo em que se dizia: “O juiz marcou um free-kick perto da área”. E olhe que ele era do tipo radical, que dizia; “O inglês é uma língua burra, que escreve five, pronuncia faive, e quer dizer cinco”. Eu já acho que foi um exagero quando a reforma ortográfica fingiu eliminar as letras K, W e Y do nosso alfabeto, porque na verdade não as eliminou. São usadas o tempo todo, todas têm seções próprias nos dicionários, e precisamos explicar aos nossos filhos, na fase da alfabetização, que letras são aquelas que eles vêem por toda parte menos nas cartilhas.
A reforma foi positiva para que possamos escrever quilômetro em vez de kilômetro ou mistério em vez de mysterio. Foi um ganho. E não precisamos fazer como fizeram os turcos há poucos anos. A situação na Turquia é curiosa. Encravado entre a Ásia e a Europa, o país quer fazer parte da União Européia, mas como é de maioria islâmica é olhado com desconfiança. Já em 1928 houve uma reforma substituindo o alfabeto arábico pelo ocidental, mas as letras W e Q não são admitidas. Recentemente, a polícia turca prendeu dezenas de curdos que, nas comemorações do Ano Novo, usavam cartazes com as letras W e Q. Os curdos são uma minoria problemática não apenas na Turquia, mas também no Iraque. São um dos muitos povos sem nação que existem hoje, como os judeus o foram durante séculos. Querem manter sua cultura, suas tradições, e até mesmo sua ortografia, mas como vivem na casa alheia têm que se submeter às leis turcas. O dia era de festa, o pessoal tomou umas e outras, extrapolou, escreveu letras proibidas e cada um pegou uma multa de 75 dólares.
O Brasil chegará a este ponto? O deputado Aldo Rebelo já propôs leis proibindo o uso indiscriminado do inglês. Concordo com os diagnósticos dele (a invasão do inglesismo é de uma subserviência cultural que nos humilha), mas discordo quanto aos métodos. Proibir não adianta. Enquanto nossa classe média tiver esse complexo de inferioridade por não ser igual aos seus ídolos norte-americanos (sejam eles os cowboys motorizados do Texas ou as madames recauchutadas de Miami), não adianta proibir. O problema é a falta de personalidade dos próprios brasileiros.
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