quarta-feira, 7 de outubro de 2009

1288) Final feliz e final cínico (29.4.2007)




Revi na TV O Jogador de Robert Altman, filme cruel e divertido sobre os divertimentos cruéis de Hollywood. 

A certa altura, alguém pergunta quais os ingredientes para um filme fazer sucesso. Tim Robbins sai enumerando: suspense, risos, violência, sexo, nudez, final feliz... Principalmente final feliz. 

O “happy ending” norte-americano era considerado, no tempo em que me formei como cinéfilo, o maior atentado à moral. O italiano Umberto Barbaro dedicou um capítulo inteiro de um livro a esta deformação do verdadeiro espírito do cinema. O final feliz transformava o cinema em ópio do povo, droga para a alienação das massas, e assim por diante. 

O filme de Altman termina com um final feliz dos mais irônicos: o crápula que destrói a vida de todo mundo e compra a alma dos mais idealistas termina o filme numa mansão florida, beijando a bela esposa grávida.

O Final Feliz tradicional era um final feliz de retorno aos valores tradicionais, ao culto das virtudes morais, ao aconchego da família, às normas do bom caráter e da boa conduta. 

Era um final idealizado, conservador. Depois do sofrimento da guerra, o soldado desce intacto do navio e abraça a família no cais. Após intrigas e perseguições, o jovem casal consegue subir ao altar e dizer o sim. O funcionário menosprezado revela ser o talento que salva a empresa da falência e na última cena é promovido a gerente-geral, por entre lágrimas, sorrisos e champanhe. 

O Final Feliz que era alvo das diatribes de Umberto Barbaro era esse final feliz cândido, panglossiano, que nos dizia que no fundo, no fundo, a Terra é um lugar bom de se viver, que os valores éticos e morais sempre prevalecem, que no fim tudo dá certo, e se ainda não está dando certo (como dizia Fernando Sabino) é porque ainda não chegou no fim.

O cinema americano dos anos 1940 consagrou este Final Feliz; o das décadas seguintes consumiu-o, desgastou-o, deixou-o esgarçado, puído, numa peínha de nada. 

E dos anos 1980 em diante ele foi sendo substituído pelo Final Cínico. Que é uma espécie de Final Feliz adaptado aos novos tempos, e do qual o final de O Jogador é uma brilhante recriação metalinguística, porque aparenta ser do estilo antigo, quando na verdade é o estilo novo, mas o estilo novo sendo criticado por um dos seus inimigos mais ferozes.

O Final Cínico não diz que os bons valores sempre prevalecem. Quem prevalece é a esperteza, e, quando necessário, a força bruta. Triste do poder que não pode. Trair não é vergonhoso; vergonhoso é deixar-se trair sem ter traído primeiro. Para chegar no topo vale tudo, pois quem determina o que vale e o que não vale é quem está no topo. 

Curiosamente, do ponto de vista estético e narrativo o Final Cínico de hoje é uma herança do cinema feito pelos cineastas esquerdistas, amargos, que nos anos 1960 tudo fizeram, com seu cinema cético e descrente, para sabotar o Final Feliz tradicional, considerado politicamente conservador e moralmente papai-e-mamãe.





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