sexta-feira, 17 de julho de 2009

1157) O drible do elástico (28.11.2006)



Semana passada Ronaldinho Gaúcho voltou a aprontar das suas, fazendo contra o Villarreal um gol de bicicleta (o último da goleada de 4x0 do Barcelona) que o estádio aplaudiu de pé. Como disse o redator do “Mundo Deportivo”, ninguém pode arredar o pé do estádio num jogo do Barcelona quando ainda faltam 2 minutos para terminar, como era o caso. A qualquer momento, pode ocorrer o que ocorreu: um gol para se contar aos netos. A imprensa já gastou tinta bastante com este gol, mas eu queria falar era de outra jogada que o Gaúcho fez pouco antes, um drible-do-elástico no zagueiro, que só não foi perfeito porque na conclusão a bola saiu alguns centímetros pela linha de fundo, invalidando o cruzamento perfeito que ele fez para os atacantes.

Quando eu era garoto, não existia esse negócio de drible-do-elástico, ou se existia não era cultivado no Presidente Vargas nem no Plínio Lemos. Acho que é coisa recente. O primeiro que vi em alto estilo foi um que Romário deu em Amaral num Flamengo x Corinthians no Morumbi, há alguns anos, escapando rente à linha de fundo, tirando o zagueiro da jogada e marcando um gol quase sem ângulo. O lance foi reprisado centenas de vezes pela TV nos dias seguintes, por todos os ângulos, em todas as velocidades.

O drible-do-elástico consiste basicamente (descrever essas coisas com palavras é tão inútil quanto descrever a melodia inicial do Concerto #1 de Tchaikóvski, mas, bora lá) em armar o bote diante do zagueiro, indicar que vai projetar o corpo num arrancada instantânea, e com o lado exterior do pé direito empurrar a bola com força para a direita, e partir atrás dela. O zagueiro julga que esse é o movimento final e, com meio segundo de atraso, projeta-se nessa direção. Quando isto acontece, a gente conclui o movimento de empurrar a bola com uma brusca torção do tornozelo direito para o lado esquerdo, fazendo o bico do pé tocar a bola e inverter o movimento que ela executava, projetando-a para a esquerda e mudando de direção de repente – o que não é difícil para quem já estava com esta intenção, difícil é para o zagueiro que é pêgo de surpresa. O modo como a bola inverte de repente a trajetória dá a impressão de que ela foi puxada com um elástico.

Aos 15 anos eu li Viagem em Torno de Pelé, de Mário Filho, onde a certa altura ele enumera jogadas que Pelé tinha introduzido no futebol. Fazer tabelinha com os zagueiros, p. ex., chutando a bola de encontro às suas canelas para pegar de novo mais à frente. Pela primeira vez eu me dei conta de que no futebol, como na arte, a gente recebe um repertório de coisas inventadas, que é preciso aprender, mas tem também a liberdade de inventar coisas novas. Perdi muitas noites desenhando mentalmente gols mirabolantes. Nunca os fiz, pois sou um perna de pau. Mas conheço um neguinho dentuço que provavelmente aos 15 anos ficava fazendo “story-board” de jogadas e de gols e de tabelas. Feliz de quem realiza em público o que criou sozinho.

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