Morreu Altman, que nos anos 1970 era “o diretor de M*A*S*H*”, aquela comédia de humor negro sobre cirurgiões americanos na guerra (num Vietnam indiretamente sugerido), amputando membros e costurando soldados esfrangalhados enquanto faziam piadas politicamente incorretas e azaravam as enfermeiras. Foi sucesso, virou série de TV, e projetou dois ótimos atores, Elliott Gould (que subiu e depois sumiu) e Donald Sutherland, que ainda toca bem a bola no meio de campo, embora hoje tenha virado “o pai de Kiefer”, aquele ator de “24 Horas”.
O sucesso de M*A*S*H* deu a Altman cacife suficiente para uma série de filmes personalistas, nem sempre muito bons, mas todos mostrando uma mente inquieta, um olhar crítico e ácido sobre a sociedade americana, além de uma capacidade de trabalhar em diferentes gêneros, assimilando o que eles têm de essencial e usando-o para encorpar uma linguagem própria. Altman fez faroeste (McCabe and Mrs. Miller), comédia amalucada (Voar é com os Pássaros), mistério policial britânico (Assassinato em Gosford Park), pseudo-documentário musical (Nashville), policial “noir” (The Long Goodbye), ficção científica (Quinteto), adaptação de quadrinhos (Popeye)...
Um dos meus filmes preferidos de Altman é o obscuro Imagens (1972), a história de uma mulher que luta contra a esquizofrenia enquanto tenta montar um imenso quebra-cabeças na mesa da sala e faz joguetes emocionais com o marido e dois namorados (sendo um deles um fantasma). É um belo filme, e pesquisando agora na Web fiquei sabendo que foi mal sucedido nas bilheterias e o estúdio (Metro/Universal) incinerou o negativo (ainda assim, há cópias em DVD). Altman foi um valoroso inimigo da ideologia industrialesca de Hollywood, e disto resultou um de seus melhores filmes, O Jogador, com Tim Robbins no centro de uma rosácea de personagens e enredos que mostram de forma satírica e amarga “as entranhas da Besta”. Outro dos meus preferidos é Short Cuts, em que o diretor pega dezenas de contos curtos de Raymond Carver e os interliga numa única história em que todos aqueles personagens se conhecem ou se conectam casualmente.
Era uma das especialidades de Altman: uma história com 20 ou 30 personagens importantes, a cada um dos quais ele dava atenção concentrada, extraindo o máximo dos atores e embranquecendo os cabelos dos roteiristas (embora ele próprio participasse da maioria dos roteiros que filmava). Altman talvez fique mais lembrado pela sua furiosa luta por autonomia ideológica e estética do que pelas reais e sólidas contribuições que deu à arte de contar histórias, de proporcionar performances inesquecíveis a atores medíocres, de contemplar à distância um romance ou peça de teatro e sempre encontrar um caminho cinematográfico para produzir na tela, sem copiar o original, um impacto semelhante ao do original. Era um animal com cinema correndo nas veias, típico do que o cinema americano tem de melhor.
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