Estou preparando uma antologia de contos de terror, o que me exige a leitura de centenas de histórias desse tipo. Um trabalho desagradável e cansativo, mas regiamente pago. (Estou sendo irônico: é justamente o contrário.)
Um dos subgêneros mais interessantes desse universo é a história de casas mal-assombradas, casas onde algo misterioso e ameaçador está acontecendo. Estas histórias obedecem a um padrão básico:
1) Coisas estranhas ocorrem numa casa;
2) Um cético e um crédulo se dispõem a verificar;
3) Alguma coisa acontece, e o desfecho dá razão a um deles.
Nas histórias de cunho racional ou humorístico, geralmente o cético tem razão. Nas histórias fantásticas e de terror genuíno, tem razão o que acreditava que “existem mais coisas entre o Céu e a Terra do que sonha a nossa filosofia”.
Os britânicos elevaram a extremos de refinamento este tipo de história, e a leitura seguida de dezenas delas nos permite perceber detalhes interessantes. Por exemplo: nas casas assombradas britânicas, existem os patrões e os criados. Os patrões querem investigar mais a fundo o que está acontecendo; já os criados apavoram-se com facilidade e batem em retirada.
Lembro ao leitor que “patrões” e “criados”, na Inglaterra, não são equivalentes exatos ao que designamos com este nome aqui no Brasil. Curiosamente, aqui no Brasil os muito-ricos estão mais distantes dos muito-pobres do que na Inglaterra; mas aqui ainda existe uma certa promiscuidade social, fruto da química peculiar que se desenvolveu entre portugueses e africanos (e aqui cedo a palavra a Jorge Amado, Gilberto Freyre e outros).
Na Inglaterra, a coisa é diferente. Patrões e criados vivem em universos paralelos, e aconselho o filme Assassinato em Gosford Park, de Robert Altman (tem em qualquer locadora) como uma bela descrição de como esses mundos, tão misturados entre si, são distantes.
No típico conto de terror inglês, os criados acreditam no sobrenatural mas não querem papo com ele; os patrões são céticos, mas por isto mesmo querem investigar mais a fundo. Só esta semana reencontrei este padrão em “The Screaming Skull” de F. Marion Crawford, “The Haunted House” de Charles Dickens, “The House and the Brain” de Bulwer-Lytton, “The Beast with Five Fingers” de W. F. Harvey, e outros.
O que me lembra uma frase famosa de Jorge Luís Borges, quando perguntaram sobre a presença constante do tema de Deus em suas obras: “Sou o contrário dos outros argentinos: ele crêem em Deus mas não se interessam, já eu não creio, mas me interesso”.
De um lado, o Povo com sua mentalidade arcaica, medievalista, supersticiosa, vulnerável ao medo do Oculto. Do outro, a burguesia com seu materialismo, seu Iluminismo, seu culto à Razão.
O povo não gosta de mexer com Potestades, ainda mais do Além. Mas a maioria dos escritores pertencem (mesmo que apenas mentalmente) a este mundo burguês, para quem o Sobrenatural é um mero passatempo literário, que não ameaça e não impõe deveres.
Um comentário:
Boa noite, nobre Tavares
Achei muito interessante esse teu artigo, sobretudo por citar nomes importantes da literatura fantástica (como Bulwer-Lytton, por exemplo).
Dito isso, pergunto-lhe: qual é o nome do livro que você organizou? Seria o "No Labirinto de Borges", ou outro - que desconheço? Eu tenho muito interesse no conto do autor Bulwer-Lytton "The House and the Brain", mas é uma tarefa praticamente impossível encontrar em português.
Acho que não precisa falar muita coisa sobre teus artigos. São excelentes. E o fato de muitas pessoas lerem, é a prova de que o amigo é muito respeitado.
Abraços
Leonardo Nunes Nunes
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