Um dos melhores filmes que vi nos últimos anos chama-se Promessas de um novo mundo, de Justine Shapiro, BZ Goldberg e Carlos Bolado. Enfrentando dificuldades diplomáticas e militares, a equipe percorreu Israel e os territórios palestinos, entrevistando crianças de 10 a 13 anos de idade. O interesse dos realizadores é saber quem são essas crianças, o que pensam do mundo onde vivem, do que têm medo, o que esperam do futuro.
São depoimentos comoventes, como o de dois irmãos judeus que toda manhã, na hora de ir para a escola, ficam escolhendo o ônibus em que devem embarcar: “Lá vem um 127... Não, esta linha não, já explodiram várias vezes”.
No fim do filme, a equipe consegue “contrabandear” os garotos judeus para o território palestino e promove um encontro entre eles, que dura uma tarde inteira, com almoço, etc.
Eu sou um cara muito besta, e fico comovido com essas coisas: garotos e garotas de dois povos em guerra permanente, descobrindo que não se odeiam. No começo, estão todos mais desconfiados do que cachorro-em-bagageiro-de-bicicleta, mas aos poucos vão quebrando o gelo, se descontraindo. Descobrem que gostam de futebol e que – milagre! – torcem pela Seleção Brasileira.
Há uma cena no filme que não consigo esquecer. A equipe entrevista uma adolescente num espaço que parece ser a área de serviço do apartamento dela. Enquanto fala, ela pega um monte daquelas cadeiras de plástico branco que se usam em bar e que se encaixam umas sobre as outras, e fica tentando desenganchar uma cadeira para se sentar. Vai falando, falando... e puxando, puxando... e nada da cadeira sair. Ela muda de posição, pega de um lado, pega de outro, bate com as cadeiras no chão, e não desengancha.
E a câmara rodando. E ela falando. Fala dos seus planos para o futuro, que quer casar na igreja, ter filhos... E puxa pra lá, e pra cá... e a cadeira não desengancha. São uns cinco minutos de pura hilaridade, o cinema todo indo às lágrimas. Eu nunca ri tanto na minha vida.
Dizem que qualquer imagem concreta pode servir de símbolo para qualquer idéia abstrata. Eu não vou tão longe, mas diante de casualidades assim não posso deixar de vez uma relação entre a entrevista da garota e a vida de todos aqueles personagens.
Eles procuram viver normalmente, conversar, agir com naturalidade como se estivessem vivendo uma vida normal. Mas durante esse tempo todo tem algo muito visível que está atrapalhando suas vidas, algo contra o qual eles lutam, lutam, tentam, tentam, mas não conseguem se desvencilhar.
E o tempo inteiro eles conseguem falar, dar depoimento, como se fossem pessoas normais vivendo uma vida normal – e como se aquele problema irritante, trágico, mortal, não estivesse ali, à vista deles e de todos, impedindo que eles vivam sua vida com a naturalidade com que fingem viver. Uma geração inteira de esquizofrênicos, de mentes divididas, mas é essa divisão, entre a consciência do Terror e a ilusão da Paz, que os mantém vivos.
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