terça-feira, 13 de janeiro de 2009

0750) Festa no Clube Dumas (13.8.2005)


Uma coisa que eu questiono muito é a mania de se publicar, após a morte de um escritor, tudo que ele deixou inédito. Em alguns casos (Fernando Pessoa, Kafka) vale a pena, porque o material inédito era igual ou superior ao que o cara tinha publicado. Mas na grande maioria dos casos o que se dá é a revelação constrangedora de tudo que o cara tentou e não deu certo. Alguém dirá: “Mas, se não prestava, por que o próprio autor ficou guardando?” Existem duas respostas. Uma, é que a gente sempre acha que um dia dá pra pegar aquele romance inédito de 200 páginas, cortar tudo que não presta, e aproveitar trechos que têm algum valor. Outra, é que independentemente do valor estético essas coisas têm um valor afetivo. Textos literariamente medíocres podem valer como registro de momentos da vida, de estados emocionais, uma espécie de diário íntimo que não devemos publicar mas que faz bem reler de vez em quando, até para podermos ter a ilusão de que evoluímos um pouquinho desde então. É como guardar os velhos cadernos do ginásio ou velhas agendas de vinte anos atrás. Ajuda a não esquecer quem fomos.

O bom, no entanto, é quando se descobre um manuscrito inédito de um autor, e aí há motivos para ir à janela e soltar uma pistola-de-3-tiros. Aconteceu poucos anos atrás com Julio Verne, de quem se encontrou o manuscrito de Paris no Século XX, livro que na época foi rejeitado pelo editor por ser pessimista demais. Aconteceu de novo agora, quando o pesquisador Claude Schopp, especialista em Alexandre Dumas, localizou na coleção de um obscuro jornal francês do século 19, Le Moniteur Universel, os 188 capítulos de Le Chevalier de Sainte-Hermine, um folhetim que Dumas deixou incompleto ao morrer em 1870. A morte do autor e a guerra franco-prussiana certamente ajudaram a mergulhar o folhetim no esquecimento. Em 1988 Schopp localizou o texto (em microfilme) numa biblioteca, e dedicou os anos seguintes a copiá-lo e corrigi-lo. Lançado em forma de livro em 2005 (com os capítulos finais, que Dumas não pôde concluir, escritos pelo próprio Schopp) o romance, com mais de mil páginas, virou best-seller na França. É como o sujeito morrer hoje e ainda ter livro sendo lançado em 2140.

Alguns leitores hão de recordar O Clube Dumas, de Arturo Pérez-Reverte, excelente romance de mistério lançado aqui no Brasil alguns anos atrás, em que um grupo de leitores fanáticos por Dumas se reúne para trocar informações sobre sua obra. O Clube deve estar em festa. Dumas escreveu copiosamente, e mantinha redatores assalariados a quem “terceirizava” partes da obra, como os autores de telenovela fazem hoje: explicam o que deve acontecer na cena, e o outro executa o trabalho braçal de escrever a ação e os diálogos. Tinha o propósito, como Balzac, de contar a história da França através de uma série de romances sucessivos, e é autor de uma frase deliciosa: “É lícito violentar a História, se com isto gerarmos um filho”.

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