Quando é depois, dizem que eu tenho preconceito contra os artistas de vanguarda. Que é isso! Eu me apaixonei pela arte de vanguarda na adolescência, mas acho que tem muita gente por aí mandando instalações pras Bienais na base do tiro-no-escuro, como aqueles adolescentes que rabiscam dez ou doze linhas e vêm perguntar à gente: “Isso aqui é um poema?”
Vejamos um exemplo recente. Em Londres, o artista performático Mark McGowen entrou em choque com a Thames Water, a empresa de água potável da cidade. Ele colocou numa galeria de arte uma instalação que consiste numa torneira aberta, jorrando água 24 horas por dia. A Thames Water entrou com uma ação na justiça dizendo que aquilo era um desperdício de água potável, ocorrendo justamente num dos verões mais secos da Inglaterra nos últimos cem anos. Nos seis dias desde a abertura da exposição até que esta notícia saiu nos jornais, dezenas de milhares de litros foram pelo ralo. A intenção de McGowen (porque a arte performática geralmente envolve a declaração pública de uma intenção, senão fica todo mundo na mesma) é de deixar a torneira aberta durante exatamente um ano, quando serão gastos cerca de 15 milhões de litros dágua. Procurado pela imprensa, McGowen afirmou que a água é o elixir da vida, e a gente deveria parar de desperdiçá-la. Segundo ele, a Thames Water deveria mover uma ação contra ela mesma, porque tem lucros enormes e um terço da água que canaliza se perde devido a vazamentos.
Voltamos a um antigo beco-sem-saída conceitual da arte. É como o filme violento que afirma ser “uma denúncia da violência”, ou o documentário sobre sexo com imagens de sacanagem e narração moralista (ótimo pra ver em DVD, que o cara abaixa o som). A performance de McGowen vai gastar 15 milhões de litros, mas esse gasto será mais visível, mais comentado, e chamará a atenção para o gasto da Thames Water. E ele tem razão: olha aqui a gente, em pleno Nordeste, se preocupando com a seca londrina!
Mas mesmo assim... mesmo assim... Eu não consigo dormir em paz há dias, pensando naquela torneira aberta: chuáááá... Já observei também, freudianamente, que toda essa coisa de “performance”, “instalação” e coisa e tal envolve freqüentemente gestos de desperdício, destruição, deformação. São muitas obras que nos propõem, em vez de vez algo sendo criado, ver algo sendo destruído. Está aí um bom ponto de partida para analisar toda essa arte; que, repito, tem o seu valor. Fiquei sabendo também que a “performance” anterior de McGowen destinava-se a chamar a atenção das autoridades para o problema do débito estudantil na Inglaterra (imagino que seja algo equivalente aos estudantes que não pagaram o “crédito educativo”). E a performance consistiu em empurrar uma noz com o nariz, pelas ruas, ao longo de sete milhas, até a residência oficial de Tony Blair. Então pronto, meu caro artista. Fale que agora é pelo bem da água, desligue a torneira, e empurre a noz de volta pra casa.
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