(cartum de Knife)
Fui batizado como católico, estudei em alguns colégios católicos (Lurdinas, Alfredo Dantas), tenho muitos amigos que são padres ou frades, mas filosoficamente me considero um agnóstico. O que a Igreja Católica tem de mais interessante é o seu lado individual: seu humanismo, sua filosofia de paz, de compaixão, de solidariedade. Mas seu lado cósmico, sua descrição e interpretação do Universo, diverge da visão da Ciência, e em geral prefiro ficar com esta última. Em todo caso, há um aspecto da Igreja que acho fascinante, e que nunca esteve tão visível quanto nestas últimas semanas: a pompa mística, o ritual milionário, a grandiosa celebração coletiva. Espero não estar pecando ao afirmar que o Vaticano é uma Hollywood com dois mil anos de know-how.
Existe no ser humano uma compulsão instintiva para a transcendência, para imaginar (e querer alcançar) outras dimensões, outros patamares da existência cósmica. Há um conto de Robert Silverberg intitulado “O Papa dos Chimpanzés” que ilustra de forma irônica e compassiva esse impulso. Na história, cientistas isolaram um grupo de chimpanzés e se comunicam com eles através de sinais, numa convivência semelhante à de antropólogos com tribos indígenas. Um dos cientistas contrai leucemia, e, sabendo que vai morrer, propõe informar o fato aos chimpanzés para que estes reflitam sobre a morte dos humanos (que eles consideram uma espécie de deuses). E isto é feito: explicam a noção da morte, de Deus, do Céu.
Este fato desencadeia uma mudança filosófica nos chimpanzés. Semanas depois, seu líder, “Leo”, descobre no lixo uma camisa velha e um chapéu que pertenceram ao cientista morto, e começa a usá-los. E lidera um ritual em que o macaco mais velho, que estava doente, morre pacificamente à beira do rio. Os cientistas percebem que os macacos adquiriram a consciência de um “outro mundo”, e que estão ritualizando a passagem deles de um mundo para o outro. O problema é que macacos começam a aparecer mortos, com sinais de violência, e ao ser interrogado “Leo” responde: “Eles agora são seres humanos. Os humanos quando morrem viram deuses. Os chimpanzés quando morrem viram humanos”.
O problema dos cientistas, daí em diante, é convencer os chimpanzés de que eles não têm o direito de mandar seus semelhantes para o Céu. Este conto tem ressonâncias interessantes com o 2001 de Kubrick/Clarke, onde se faz um paralelo entre a evolução macaco/homem/super-homem, e a frase de Nietzsche, que em Assim falou Zaratustra dizia: “O que é um macaco, aos olhos de um homem? Uma criatura ridícula e objeto de desprezo. O que é um homem, aos olhos de um super-homem? Uma criatura ridícula e objeto de desprezo.” O conto de Silverberg imagina de maneira engenhosa a criação da primeira fagulha de transcendência espiritual (com tudo que vem a seguir) num cérebro inteligente.
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