O Oscar deste ano foi o chiclete de sempre. Não havia sequer um grande “blockbuster” entre os indicados para Melhor Filme. Eu acho isto um bom sinal. Não tinha Titanic, Senhor dos Anéis, Último Imperador... Apenas cinco filmes de porte médio, dos quais o único que vi e comentei aqui (Entre umas e outras) não tem nada de excepcional mas é um filme assistível. O cinema de Hollywood está cada vez mais parecido com desfile da Beija-Flor, e um filme simples assim é um alívio, como uma roda-de-samba no botequim.
Me alegrei com o Oscar honorário para Sidney Lumet. O auge da carreira de Lumet como diretor coincidiu com o tempo em que eu era cineclubista e crítico de cinema, e ainda admiro sua obra. Lumet não é um “auteur” no sentido europeu do termo, não é um reinventor da linguagem, ou um intelectual com idéias próprias. É um sujeito com alma teatral que domina a técnica do cinema. Seus melhores filmes são modelos de narrativa clássica, aulas de como contar uma história e reger um elenco, extraindo dele o máximo.
Assassinato no Orient Express é a melhor adaptação de Agatha Christie para o cinema (com o Testemunha de Acusação de Billy Wilder, de 1957), não só pela reconstituição de época e pelo elenco, mas pelo roteiro (de Paul Dehn) que pela primeira vez faz justiça às elucubrações do detetive. Dia de Cão é o filme de assalto a banco que formatou todos os outros, um fascinante equilíbrio entre roteiro e improviso. Rede de Intrigas é uma sátira sobre o poder externo e a corrupção interna da TV, com um roteiro (de Paddy Chayefsky) que parece uma HQ surrealista mas acabou sendo profético. A Colina dos Homens Perdidos é um filme exemplar sobre o absurdo da guerra, da prisão e do militarismo. Armadilha Mortal é um mistério policial bem urdido, totalmente teatral, cheio de reviravoltas, e seu único defeito é ser uma tentativa de igualar Jogo Mortal (Sleuth) de J. L. Manckiewicz, o que aliás quase consegue.
Lumet tem filmes fracos, claro; o mais chato de todos é uma adaptação musical de O Mágico de Oz, com Diana Ross e Michael Jackson, tão kitsch e caótica que parece ter sido dirigida por estes dois.
O melhor filme dele, e um dos melhores que já vi, é O Homem do Prego, a história de um judeu que escapa do campo de concentração, vai morar no Harlem de Nova York, e passa a explorar os negros da vizinhança. O filme tem trilha de Quincy Jones, uma inesquecível fotografia em preto-e-branco, tem Rod Steiger no papel principal (às vezes meio “over”, mas sempre impressionante), e uma montagem de flash-backs rapidíssimos que me proporcionou uma das grandes iluminações mentais da minha vida. O Homem do Prego é muitas vezes referido no livro de Lumet (já publicado no Brasil) Fazendo Filmes, e nas memórias do montador Ralph Rosenblum (When the Shooting Stops... the Cutting Begins). É de 1965, mas fico com a sensação de que somente agora, quarenta anos depois, o filme recebeu o Oscar que merecia.
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