sábado, 11 de outubro de 2008

0591) Quero ficar em teu corpo (9.2.2005)



A escritora novaiorquina Shelley Jackson lançou um projeto de Literatura Conceitual intitulado “Skin” (pele). Quem chamou de Literatura Conceitual não foi ela, fui eu, e se o termo não existe, solicito à Academia Brasileira de Letras que recorte este artigo e o consigne em seus compêndios, garantindo-me a paternidade do rótulo. Assim como na Arte Conceitual não se trata de saber pintar ou esculpir, mas de ter uma idéia abstrata e saber articular materiais concretos que a exponham, na Literatura não se trata de saber escrever bem, mas de criar um texto ao qual acontece alguma coisa, e essa coisa que acontece é mais significativa do que aquilo que o texto diz.

“Skin” é um conto com 2.095 palavras, e cada uma delas será entregue a um voluntário, que se apresentará à autora e assinará um contrato. Concluídas as formalidades, o voluntário deverá tatuar a palavra em qualquer parte do corpo, e enviar uma foto à autora, como comprovante. A partir daí, esta pessoa passará a ser considerada aquela Palavra específica (e não um simples “portador” da palavra). Mesmo que a tatuagem venha a ser apagada, ou destruída de algum modo, isso não pode reverter essa condição. (Há uma série de outras condições, que não vêm ao caso. Quem quiser participar, escreva para: shelley@drizzle.com, ou olhe em: http://ineradicablestain.com/skin.html).

O texto completo do conto será conhecido apenas pela autora e pelos 2.095 participantes, os quais se comprometem, por contrato, a jamais revelar o seu teor. Participantes poderão, se quiserem, entrar em contato uns com os outros e revelar quais as Palavras em que se tornaram. A história jamais será publicada, mas existe a possibilidade de que seja publicado um livro a respeito do projeto, com fotos de alguns participantes (mas não fotos das Palavras tatuadas), material de imprensa, artigos, etc. Diz o regulamento: “Somente a morte das Palavras poderá eliminá-las do texto. À medida que as Palavras forem falecendo, a História irá mudando; quando morrer a última Palavra, a História também morrerá. A Autora fará o possível para comparecer ao funeral de suas Palavras”. Em setembro de 2004, havia 1.780 pessoas inscritas, faltando 315 para fechar o projeto.

Uma questão: é possível considerar como obra literária um texto que nós, aqui “de fora”, não poderemos ler em sua totalidade? Duas mil e poucas pessoas lerão o texto, sob juramento de segredo. Este público é suficiente? Outra questão: este procedimento se assemelha menos ao da criação e fruição de uma obra de arte do que às formalidades de admissão numa fraternidade ou sociedade secreta. Há um segredo conhecido apenas por um número fixo de participantes. Há uma cerimônia iniciatória e a imposição de uma “marca” física no novo membro. Há o pacto de silêncio. Pode parecer besteira, mas eu ainda acho mais interessante do que mandar um milheiro de tijolos pra Bienal. 

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